FAMÍLIA SAPORETTI

Monday, May 15, 2006

PREÂMBULO

Américo Saporetti Filho

Muitos anos eu trouxe na mente a vontade de escrever a história da minha família. Isto por ouvir fatos interessantes e esparsos contados por papai e pelos meus tios. Fatos que envolviam vovô Hugo, vovô Emílio, minha cidade de Ponte Nova, o Pontenovense Futebol Clube, a Fundição Progresso e todo um emaranhado tão complicado que envolvia duas famílias de imigrantes e que começava na Itália para chegar aqui no Brasil e me deixava perplexo e medroso.

O tempo passou, que o tempo não pára e deixei minha terrinha natal para me meter com cara e peito nas coisas da vida, e quem sabe até da sobrevida, e me esqueci de analisar o intricado labirinto das cenas familiares vividas pelos avós imigrantres, que tanto me envolveu e fascinou na infância e adolescência.

Havia outras razões mais convencionalmente importantes para se viver ao invés de pesquisar histórias antigas de desbravadores italianos, que outra coisa não vieram fazer aqui senão tentar a sorte e fazer fortuna. O melhor que fazia era estudar, formar, trabalhar, casar, ter filhos e criá-los bem. Assim pensava e pensava racionalmente, como um rapaz comportadinho dentro de uma sociedade que exigia isso de mim. Nem me passava ainda pela cabeça que a instituiçâo que denominamos 'sociedade' pode ser castradora e madrasta sem contudo afirmar que seja este o meu caso.

Então fui em frente, consegui muito e passei anos me empenhando em assuntos que me empolgavam e outros que me decepcionavam, vivi a vida ora com amor e prazer, e noutras instâncias com profunda nostalgia e tremendo enfado. Acho que não me distanciei da média das pessoas: vivi e lutei e hoje sou grato por uma existência plena de altos e baixos como fica bem a uma pessoa comum.

Como o mundo é uma bola, a vida um círculo e tudo que sai de um ponto tende a voltar ao ponto de partida, eis-me, depois de muitas idas e vindas, pontos e contrapontos, de retorno à idéia antiga: escrever a memória da família.

No entanto tenho dentro de mim um imenso vazio de tempo perdido e de ter deixado passar pessoas que seriam tão importantes. Arregacei as mangas, como se diz, e pus-me ao largo em busca do passado, todo serelepe e confiante no êxito imediato da tarefa de pesquisa, mas logo de início pude avaliar quão difícil é reconstruir a memória próxima, e quase impossível reencontrar com o que está encravado no início do século.

Comecei conversando com parentes e amigos que por qualquer circunstância tiveram contato com meus ancestrais ou fatos ligados a eles. E as reações foram as mais imponderáveis desde a cortesia contundente de quem diz não saber ou lembrar de nada, até o que conta inconsequentemente fatos que entre si são controversos. Há os que querem saber o que sei para me contradizer ou polemizar, e há os que, lendo os rascunhos, aceitam tudo como verdade e, ao fim terminam com a observação de que nada têm a acrescentar: '...é isso mesmo, está aí toda a verdade...'

De qualquer forma dessas conversas nasceu muita luz e a luz colocou a claro fatos que jaziam quietos, encobertos pelas trevas do tempo. Pude então devagar ir fazendo minha interpretação do que via, ouvia e sentia, tentando compreender e decifrar a história oculta dos meus antepassados. Além dos interlocutores que me contaram a feição pessoal da história, de muita valia foram os papéis que tive em mãos, os jornais da época, os arquivos e livros que vasculhei.

Procurarei escrever estas memórias com um grande amor por toda minha família, pelo Brasil que os acolheu e pela humanidade da qual eles e nós petencemos. Se em alguma passagem for duro e até inconveniente, peço não cometer injustiças. Vamos então às memórias dos Saporetti e Garavini e suas sagas de imigrantes por este Brasil varonil e com esse...

Em setembro de 84, por alguns rápidos dias visitei a região paulista de Limeira, Matão, Jaboticabal e Bebedouro. Fui discutir um projeto de instalação de sistema de manuseio de bagaço de cana para queima em caldeira para produção de vapor.

Fui invadido por sensação estranha e meu pensamento voou muito e pousou no fim do século passado e início deste quando, em busca de felicidade e prosperidade ou, quem sabe para sair da miséria em que se encontravam na Itália; vieram para aquele local cheios de esperança os Cortezzi com minha vó Ida ainda moçoila e os Saporetti com o vô Hugo, rapagão forte e bonito, e o único da família que ficou aqui.

Suponho campos verdejantes cheios de café, a cultura predominante,a monocultura brasileira que enriqueceu muitos e outros lançou na mais completa miséria, quando lá chegaram Ida e Hugo, se conheceram, se casaram e conceberam os primeiros filhos. Dentro da política do café com leite ainda não instituída polìticamente, mas com conotações sutis no espírito dos governantes imperava Prudente na presidência quando os avós paternos desembarcaram no Brasil.

Como dizia, fui à região inicial da família e vi com emoção e prazer a beleza das plantações. De um lado da rodovia imensos laranjais, ora amarelos e carregadinhos de frutas, ora brancos, esplendidamente revestidos de flores. As flores branquinhas como flocos de neve permitem esta força de expressão em visível contraste com o sol quente tropical.

Do outro lado canaviais sem fim para açúcar, álcool e bagaço. Enquanto o carro vencia a toda velocidade as distâncias fazendo com que aquela beleza passasse em nossa retina em corrida desabalada, eu parecia ver o vô e a vó lavorando aquela imensidão de riqueza e bem estar.

'Por que saíram daqui?' pus a interrogar-me enquanto passávamos por caminhões cheios de cana ou de laranjas e aspirávamos o cheiro gostoso da flor de laranjeira que, sendo uma constante na região, produz enlevo especial no corpo e imensa vontade de parar, sentar, deitar, dormir à sombra dos perfumados laranjais. Por certo motivo houve, e talvez seja até desvendado ao longo desta narrativa, para que a recém formada família de imigrantes, o jovem Hugo e sua bela Ida, com o bebezinho Aldo em 1902 voltasse para a Itália. Quem sabe perseguição de coronel ou coração irrequieto de anarquista que antevê na terra natal a oportunidade de realização de ideais políticos e retorna com a esperança mais acesa do que nunca? Suposições, simples suposições. A família de Ida ficou no Brasil lavrando pacientemente a terra para o coronel seu patrão, com poucos direitos e excessivos deveres, como escravos brancos.

Na Itália aguardava a decepção para o impulsivo Hugo. Nada melhorara na Bota e a miséria grassava por toda a Europa com o desespero de milhões e debandada geral. A repressão dos poderosos contra as reivindicações do operariado era violenta e as leis de proteção aos magnatas aprovadas aos montões. Mussolini, ainda no casulo, estava sendo preparado, um jovem ainda. Mas não devo falar do Duce, não quero misturar mais as coisas. Devo e quero falar de uma coisinha muito boa que aconteceu à família na Itália: nasceu lá num dia de bons fluidos esta italianinha belíssima que faço questão de ignorar o nome e só lembrar o apelido, com o coração grande e um desvelo que as pessoas simples têm.

Deram-nos na Itália, Linda; poderia apelido ser mais nome que este? Logo após o nascimento de tia Linda, voltaram para o Brasil para nunca mais voltarem. Coçava-lhes o espírito, a beleza do lugar e a liberdade sem fronteiras deste país continente. Vieram com Linda sugando àvidamente o peito farto de Ida. Novamente Taquaritinga, entre Bebedouro e Catanduva; reencontro de família e volta ao cabo da enxada e sujeição ao tacão dos coronéis.

Parei junto às indústrias de suco que engolem milhares de laranjas, maracujás, tangerinas, abacaxis, limões e extraem-lhes o suco, aproveitando o bagaço. Observei demoradamente as usinas de açúcar e álcool que mastigam vorazmente toneladas de cana de uma só vez.

Imaginei-me dono de tudo, pois no início do século uma simples família de imigrantes italianos, meus avós, lavrou a terra deixando no solo seu suor para a riqueza e o paogeu do lugar.

Espiritualmente uma emoção participativa atávica me incluia no desenvolvimento da região, e via na beleza e pujança das fábricas, das fazendas, um pouco de mim nos meus antepassados e muito dos imigrantres que forjaram ombro a ombro com os brasileiros a grandeza daquela faixa paulista.

Mas meu olhar soberbo se desviou um pouco e viu no eito lavradores e entre eles um casal de velhos alquebrados, as enxadas nas mãos, o suor a correr-lhes pelas faces enrugadas. Impacto da realidade. A vida seguiu o seu ritmo, dando a cada um as oportunidades que lhes eram reservadas. Assim a família é o que é hoje.

'Se estivesse hoje no cabo da enxada?' deixei a pergunta no ar e aspirei fundo o perfume dos laranjais.

5 Comments:

  • At 8:32 PM, Anonymous Anonymous said…

    Fiquei ate emocionado com o inicio, estou aguardando nova etapa.As fotos nao esqueci nao, estou em Curitiba, assim que retornar a BH te mando..
    Bela iniciativa, continue....estarei visitando aki sempre...!!!!Parabens!!!!!!

    Andre Saporetti Bonfioli

     
  • At 3:22 PM, Blogger alex saporetti said…

    valeu andré, a história vai se desenvolvendo, é mesmo emocionante. estou aguardando as fotos, logo estarei precisando delas. um abraço.

     
  • At 6:10 AM, Anonymous Anonymous said…

    Muito interessante esse blog...minha avó contava muitas histórias, tinha orgulho de seus pais...falava sempre do amor pelo futebol e pelas caçadas que o vovô Hugo fazia...
    Bela iniciativa!!!!!

     
  • At 4:21 AM, Blogger alex saporetti said…

    oi adriana, obrigado pelo comentário, e vc falou a verdade... meu pai herdou de Hugo o amor pela caça e pelo futebol. volte sempre e contribua como quiser. beijos.

     
  • At 8:07 PM, Blogger Unknown said…

    André saporetti ,qtos anos vc tem?

     

Post a Comment

<< Home

 
how to add a hit counter to a website