FAMÍLIA SAPORETTI

Monday, May 22, 2006

2- A Chegada e Os Primeiros Anos

Américo Saporetti Filho













(foto mostrando plantação de café no estado de São Paulo no início do século XX)


Em 1896, num navio que atracou em Santos trazendo uma leva de imigrantes italianos, se encontrava Hugo Saporetti, rapagão forte de pouco mais de 16 anos, esguio, brincalhão e cheio de vida, e a família Cortezzi, pai, mãe e três filhos homens, e Ida, bela italiana na flor da idade, a única filha moça dos Cortezzi. Por coincidência foram para a mesma fazenda num lugarejo de nome Ibarra, na região hoje de Taquaritinga.

Antes porém foram novamente vistoriados para verificação se portavam doenças contagiosas, se eram sadios para o trabalho duro na lavoura e vacinados. Por último assinaram o famoso contrato de trabalho onde se comprometiam a trabalhar para o coronel que financiava sua vinda,até pagar o último real. Seus direitos restringiam-se a casa e banho. Logo descobriram que a escravidão continuava com os alvos braços europeus dalém-mar.

Hugo muito cedo iria rebelar-se contra este estado de coisas: seus princípios de liberdade aliados a uma altivez contra a opressão e tirania, não condiziam com a situação reinante.

Mas não ultrapassemos o tempo, deixemos que ele vá silenciosamente levando as pessoas a viver e respirá-lo. Hugo e Ida, sem desconfiarem do destino que teriam juntos, foram levados em lombos de burros e em carretões para as terras ricas do coronel que os havia alugado.

Chegaram à fazenda e sem descanso para o eito lavrar a terra: arar, plantar, cuidar, colher, limpar. Antes do sol nascer até depois dele se pôr. Hugo sempre que podia alertava os outros para a exploração de que eram vítimas e indicava aos conterrâneos os seus direitos e as reivindicações. Era líder e amigo e com seus vinte anos tornara-se um rapagão forte, pele bronzeada pelo sol tropical, nariz afilado demonstrando força de vontae e determinação. Sua influência sobre a colônia deitou sobre ele os olhos apreensivos do coronel.

Em paralelo aquela mocinha tímida de que já falei, Ida, companheira de viagem de Hugo, começou a vê-lo de soslaio com o rabo dos olhos, como faziam as casadoiras de antigamente.

A família trazia Ida sob olhares de vigia. Que se casasse queriam, mas com rapaz bom e trabalhador. O rigorismo do regime patriarcal estava patente naquela família simples de imigrantes, mesmo distante da terra natal e sob condições tão diferentes da sonhada fartura que vislumbravam quando, cheios de ilusões, embarcaram para a terra prometida. Fascinada por Hugo, Ida amou-o muito antes mesmo de ser percebida. Perseverantemente esperava o momento certo para aparecer.

Hugo começou a perceber aquela bela italianinha ao seu lado no eito de café. Convidou-a para as reuniões da colônia onde contavam casos, recordavam a terra, cantavam canções e esqueciam um pouco as saudades e os sofrimentos. Ida aceitou, foi cortejada por Hugo e em menos de ano estavam casados.

Casamento simples sem padre nem igreja no início do ano de 1899, uniu o anarquista Hugo Saporetti com a frágil Ida Cortezzi, agora também Saporetti, que com o passar do tempo se revelaria a forte, a brava, a potente Ida, esteio e baluarte dos Saporetti.

A bela Ida era agora a feliz "signora" Saporetti e teria de amá-lo e segui-lo pelo Brasil, pelo mundo, pelos cafundós por onde ele fosse, deixando raízes, família, gostos, ideais. Era a lei do matrimônio, ou quem sabe a lei do macho: a mulher submissa devia seguir o homem e servi-lo na alegria e na tristeza, no amor e na raiva, na riqueza e na miséria, criar-lhe os filhos, fazer-lhes a comida e lavar a roupa, honrá-lo sempre aqui e acolá.

Ida seguiu estes preceitos sem dificuldade porque sempre amou Hugo, e depois de sua morte vestiu-se de preto para sempre como viúva perpétua. Continuaram a trabalhar na fazenda e moravam pobremente num casebre de pau-a-pique junto com a família de Ida. Havia ainda um débito para com o coronel-fazendeiro, que três anos de trabalho não foram suficientes para saldar. Por várias vezes Hugo pensou em fugir, largando aquele regime de opressão e tirania organizada, mas dois motivos o impediam: primeiro, que não só ele sofria sob o coronelismo, e fugir seria deixar milhares de conterrâneos sem a palavra de fé, sem o apoio de dias melhores, sem perspectiva que lhes dava; segundo, era agora homem casado e não podia expor sua meiga mulher à perseguição que inevitàvelmente lhe imporiam como aos negros fugidos na escravidão ainda não abolida da mente dos poderosos.

Em abril Ida começou a sentir os sintomas de sua primeira gravidez. Timidamente contou a Hugo. Ele a pegou nos braços, dançou com ela, convidou os amigos e comeram e beberam à saúde do primeiro "figlio maschio", porque para ele nem passava pela cabeça que seu primogênito fosse "moglie".

A gravidez não alterou o ritmo duro da vida deste casal de imigrantes. Ida teve que continuar fabricando seu filho já tão querido e trabalhando àrduamente na lavoura de dia e cozinhando e lavando, passando, amando durante a noite.

Nunca se preocupou com as saídas noturnas do marido "para conversar um pouco com os amigos" e nem a abalavam as noites passadas fora de casa "a conversa esticou um pouco, e quando vimos o sol já estava nascendo".

Ofuscava-a um amor imenso que tudo oculta e tudo dissimula.

Já nessa época o moço Hugo habitava corações de negrinhas escravas recém-libertadas. Esse gosto pelas escurinhas perseguiria meu avô durante toda a sua vida

No último Natal do século 19 a barriga de Ida estava grande e pontuda. O enxoval simples e rústico fora feito com carinho e amor nas noites -altas horas- utilizando um muito do pouco tempo de descanso. O berço de madeira, trabalho caprichoso do ansioso futuro pai, no canto do casebre, bonito quase que aureolado, brilhando para receber uma preciosidade indescritível.

Aquela barriga por ser a primeira -quem sabe?- incomodou muito a Ida. Não havia posição confortável, sentia dores nas costas, pés inchados, boca amarga e o garoto, como chutava, parecia que ia ser um grande jogador de futebol. Deixara a enxada de pouco, não conseguia trabalhar bem e o sol de verão a castigava muito. Hugo sugeriu que se dedicasse só aos afazeres da casa "senão o bambino poderia nascer entre os pés de café".

Seguiu o conselho por pouco tempo, pois na madrugada do dia primeiro de janeiro de 1900, como boa parideira, sem gritar nem sofrer, trouxe ao mundo um "ragazzo" forte e sadio, rechonchudo como seu amor.

Assim, com tão sublimes alvíssaras, rompeu o século XX naquele casebre modesto de imigrantes italianos no interior de São Paulo.

O menino, a princípio Aldo, seria definitivamente Eduardo, o meu tio filósofo que, no seu modo de encarar a vida revelar-se-ia um autêntico anarquista por índole, que Hugo não era de impor aos filhos suas crenças, também exímio jogador de futebol, pescador emérito, e um papo de primeira grandeza e eterno menino. Quanto seria bom o mundo se tivéssemos alguns tios Eduardos para nos recorrermos nas horas tristes de apreensão...


2 Comments:

  • At 11:20 AM, Anonymous Anonymous said…

    Oi, aqui é Taynara filha de Sônia, adorei o blog, e achei muito legal essa sua iniciativa, só não entrei antes pq eu naum costumo ler as mensagens do orkut, eu tbm já pensei em fazer uma pesquisa dessas sobre a família do meu pai q tem umas histórias bem interessantes, mas nunca consegui, e só de pensar em como começar já até desanima, por isso achei muito legal tua iniciativa, saiba q dou todo apoio, muita sorte, bjos e tchau!!!!!!!!!!

     
  • At 2:24 PM, Blogger alex saporetti said…

    taynara, muito obrigado pelo seu interesse, acho maravilhoso que os mais jovens como você também se interessem pelo tema que é muito importante para que a gente se situe neste mundo... volte sempre e escreva quando quiser. vi seu perfil no orkut e te achei muito linda e muito astral. um beijo.

     

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