FAMÍLIA SAPORETTI

Saturday, June 03, 2006

4- De Volta ao Brasil

Américo Saporetti Filho

Em solo italiano rumaram para Ravenna e se entregaram à vidinha de antes da aventura. Nada mudara e era impossível ter-se um mínimo de honra e dignidade com o trabalho operário. A corrupção e a subversão agiam em cada esquina, em cada repartição, em cada casa, e não havia segurança nem liberdade.

O socialismo ainda não gerara o comunismo e o anarquismo em todas as suas formas e nuances era barco à deriva no qual navegava a esperança de milhões de operários tiranizados pelos poderosos e que pregava a liberdade individual como única forma de salvar o mundo.

Hugo, Hugo, aja com cautela neste caldeirão, não seja impetuoso nem violento, você tem mulher grávida e filho pequetito; nunca se esqueça disso, é o mínimo que lhe pedimos. Eles precisam comer para viver, Hugo, trabalhe. você precisa trabalhar.

Mas aquele italiano tão forte e tão bom não ouvia a voz da responsabilidade. Liberdade era sua bandeira de luta, liberdade para os operários, essa liberdade anárquica que é ao mesmo tempo vontade e opção e difícil de entender na sociedade constituída, pois beira as raias da irresponsabilidade.

Assim Hugo passava a maior parte do tempo junto aos comitês de ação popular, discutindo e propondo soluções para os problemas da classe operária.

Quando era tomado pela vontade de trabalhar fazia alguns bicos, ganhava um dinheirinho e todo alegre como uma criança chegava em casa com embrulhos de comida. Para Hugo o trabalho e a luta diuturna sem tréguas pelas causas do bem estar dos homens, pela justiça social, eram suas obsessões, mesmo que para isto o estômago roncasse vazio. Este trabalho o compensava e o fazia feliz.

Compreendendo o marido que havia escolhido, Ida arcou com a árdua tarefa de manter a casa e cuidar do sustento da família em Itália enquanto Hugo se envolvia em comícios contra os patrões e contra a propriedade.

No dia 10 de outubro de 1902 nascia Linda, a graciosa menina italiana dos Saporetti, num ambiente humilde, assistida por Ursula, a querida irmã de Hugo, chamada rápido para servir de parteira. Ida, sempre boa parideira, em pouco tempo tinha nos braços a linda filhinha nascida suavemente e cercada de amor e carinho sob os olhares curiosos do seu irmãozinho Aldo, com quase três anos.

Quando chegou tarde da noite a surpresa esperava Hugo no berço: uma menininha rosada envolta em mantas, cueiros, touca, sapatinhos de lã e roupinhas quentes, dormia um sono tranquilo. Dizem que ao vê-la gritou, acordando a todos: '_ Mas como é linda, é demais linda...!' e Linda ficou como apelido, mais forte que o nome.

Este pai eufórico encheu de carinhos sua querida esposa, e não se fartou em ficar ali velando o sono da meninazinha. Como era carinhoso meu caro avô, e no seu peito o coração pensava em explodir de alegria mas desaguou em lágrimas que lhe escorreram pelas faces, e o obrigaram a recorrer ao canto mais escuro do quarto para chorar. Quanta alegria!

No outro dia a realidade caiu com peso total e Hugo decidiu procurar emprego, e apesar de toda a dificuldade que passava o país, conseguiu emprego numa usina de açúcar de beterraba como carregador do setor de armazenagem de ensacados. Mesmo empregado e com a responsabilidade da família, não deixou as atividades políticas.

Os olhares dos poderosos donos da empresa vasculhavam todos os atos e seguiam os passos de seus funcionários, para que a empresa não se transformasse em barril de pólvora com as pretensões operárias. Os suspeitos sumàriamente eram demitidos quando não entregues à polícia como agitadores.

Foi nesta época que viu e ouviu Mussolini, ainda um rapaz imberbe, orador de qualidades inimitáveis e com força de persuasão fora do comum. Ali naquele momento , Hugo converteu-se a seguir aquele líder que não estruturara ainda o facismo, e pregava uma doutrina ligada à liberdade e à justiça social.

A liderança e as idéias de Hugo foram logo detetadas pelos poderosos que aguardavam o momento propício para sumir com o jovem inflamado que pregava abertamente a queda do governo e a extinção das instituições.

Ouvindo conselhos de amigos e do próprio cunhado, de quem se tornara amigo, rejeitando suas convicções, fugiu inesperadamente para Portugal onde esperou pela família e de lá voltou para o Brasil, chegando aqui em 1905, novamente como imigrante e para a já conhecida região de Taquaritinga, onde os Cortezzi continuavam como lavradores, alugando a preços vis os seus braços para coronéis inescrupulosos e tiranos.

O idealista Hugo Saporetti sabia, ao voltar, que o Brasil seria para sempre o ponto de apoio de sua vida e dos seus, e tudo que viesse a fazer seria dentro deste país-continente. Com toda a força do seu idealismo e da sua juventude, pegou no cabo da enxada que causava bolhas antes e calos depois em suas mãos e calos na alma, e pegou firme com a convicção que ao menos naquele momento, era a forma de conquistar a liberdade.

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