FAMÍLIA SAPORETTI

Tuesday, July 25, 2006

10- Dona Emma e Pinota

Américo Saporetti Filho

Dona Emma e seu neto Innocencio (mais tarde Dr. Innocencio, filho de tia Linda)



Dona Emma, dona Emma, como gostaria de tê-la conhecido... Tenho em meu poder um retratinho dela com matinê, vestido longo simples, coque preso à nuca, óculos que John Lennon reinventaria sessenta anos depois, olhar firme e decidido de mulher que nasceu para vencer os obstáculos. Quando miro este retrato noto firmeza de propósitos tão grande como se o amor estivesse plural e garantisse o amanhã e o depois. Que pena ter-me sobrado só o retratinho, mas ainda bem que este retrato salvou o seu olhar inteiramente. Com cinco filhos, o último no ventre, ela perde o marido, e sòzinha com o apoio do irmão cria e educa todos. Foi o esteio e a força da família. Nos momentos de angústia e depressão, Emílio ia a Emma, que o tirava da boca do inferno e lhe mostrava o caminho do céu. Emílio passou a morar em casa de Emma.

Modista afamada, Emma mantinha um atelier onde eram feitos vestidos para as chiques donzelas e senhoras de toda a região. Sob sua direção e orientação algumas moças aprendiam corte e costura e outras trabalhavam com salário. O atelier de Emma Garavini ainda é lembrado com saudades por quem pode ver e sentir a dedicação e o prazer com que ela fazia os vestidos, e a beleza deles prontos, ornando os corpos e esbanjando sucesso nas noites de gala da época. Sem medo de errar podemos dizer que vinha gente de toda Minas Gerais desfrutar do prazer de ter um "vestito" com o talhe e a arte de dona Emma.

Enquanto seu irmão Emílio, na fundição, forjava os grandes mecânicos do futuro naqueles meninos imberbes que lhe eram entregues "para aprender ofício" pelos pais, ela, dona Emma, firme e decidida, sem usar tapas e bofetadas ou pontapés, formava modistas da sociedade pontenovense, algumas vivas até hoje, e trazendo nas costuras um pouco que já é muito do que a mestra fazia com a tesoura, agulha e linha.

Entre as moças que trabalhavam no atelier de Emma se destacava pela sua beleza e vivacidade uma italiana quinze anos mais nova que Emílio de nome Seraphina Lanza, apelido Pinota.

O pai de Pinota fugira da Itália e veio para o Brasil depois de, enciumado, lançar pela janela de um terceiro andar o rapaz que despudoradamente dava em cima de sua mulher Demètria, mãe de Pinota, numa festa em Turim. Ao ver o pobre galanteador estatelado no chão, fugiu incontinente para não ser preso. Só disse à mulher: "Venha ao meu encontro. Breve mandarei dizer aonde estou."

Sumiu, deixou Demétria sòzinha com três filhos, dois meninos e uma menina. Ciente que ele viera para o Brasil, Demétria juntou suas coisas, e com famílias de italianos que imigravam, veio junto, carregada de filhos, na esperança de encontrar o marido. Nunca mais o viu, e julgando-o morto chegou a Ponte Nova, onde a esperava novo amor e um outro casamento. Contraiu núpcias com Neneghim Gariglio e teve com ele muitos filhos.

Neneghim não foi bom padrasto para os filhos de Demétria. Os dois rapazes fugiram de casa para ficarem livres dos maus tratos e tentar a vida por este Brasil afora, longe do tacape patriarcal. Pinota ficou, frágil e desprotegida, junto à mãe e ao padrasto que lhe metia medo. Tão ambiciosa quanto bonita, viu em Emílio o pai que não tivera e a segurança de que precisava.

Conquistou-o com a paciência que tem uma moça para quem a juventude fornece um tempo sem limite para viver e amar. Já Emílio, traumatizado por dois casamentos desfeitos de maneira trágica, esquivava-se a compromissos mais sérios com aquela menina tão doce e bela. Emma, olhar atento, alertava o irmão para o perigo de uma nova desilusão, a Pinota uma mocinha de dezessete anos, quinze anos mais nova que ele, na flor da juventude, que tomasse cuidado senão poderia transformar-se no bobão da corte. Emílio ria-se das preocupações e atenções exageradas da irmã com um riso bonachão de quem é todo segurança, e dava de lado com uma expressão glossando as observações, segundo ele ridículas da irmã.

O que Emma mais temia aconteceu, Pinota ficou grávida de Emílio e para dar a extensão do fato, revelarei a data: 1901. Nesta época as mulheres não haviam conseguido os direitos fundamentais na sociedade de que hoje desfrutam, e eram massacradas pelo regime patriarcal, que proibia a elas tudo, só pelo fato de serem mulheres.

Demétria quando soube teve uma crise de nervos e, desesperada chegou a ver sua filhinha jogada na vida de bolsinha na mão, catando dinheiro com a venda do corpo. Neneghim, padrasto, sentiu um certo prazer secreto pela desgraça da enteada mas tomou as suas dores e foi até Emílio saber da solução que ele tinha para o caso. Emílio comprometeu-se a se casar com Pinota assim que o bambino nascesse. O que Emma não queria estava acontecendo bem mais ligeiro do que era de se esperar. A mocinha tinha astúcia e o maduro Emílio, grande mecânico, estava sendo comandado como se dirige uma máquina.

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