FAMÍLIA SAPORETTI

Tuesday, July 18, 2006

9- A Maldição

Américo Saporetti Filho


Vez por outra Emílio se lembrava de uma cena d'Itália envolvendo seu pai Rinaldo e um padre da região que culminou com uma praga clerical além da excomunhão. Rinaldo, apesar de pobre, conviveu com a fidalguia italiana e era apreciado pelo seu bom humor e espírito. Saía sempre em caçada com eles. Com boa mira, bom "faro" e presença agradável, alegrava os nobres e ajudava-os nas tarefas menos fidalgas. Enfim, era um sátiro e gostava de viver a vida, desta forma encostava-se cuidadosamente nos poderosos.

Vai daí que sua modesta condição de plebeu deu margem a que um padre do lugarejo o humilhasse, menosprezando-o. Ao receber a caravana de fidalgos que procurava abrigo, ríspida e preconceituosamente dirigiu-se a Rinaldo e indicou-lhe a cozinha e o quarto dos criados.

Os nobres acharam graça e riram do inusitado da situação. Aos nobres é permitido rir do que bem entenderem e não há classe que mais ri que ricos e abastados. Principalmente da desgraça dos outros, sejam pobres ou ricos.

Aqueles sorrisos martelavam os ouvidos e penetravam seu corpo, criando dentro dele tal obsessão de vingança que lhe tirou o prazer de viver e encheu-o de vergonha de olhar as pessoas e a mulher nos olhos. Passou a pensar vingança contra o cafajeste do pároco e contra toda uma instituição. A sua vingança revestiu-se de soberba, orgulho massacrado e grotesco que trouxe sobre ele a pecha de infame, perseguido pela unida classe dos padres de Roma.

Emboscou numa tarde de domingo o clérigo que o humilhara quando este retornava à paróquia por um caminho deserto. De carabina em punho, obrigou-o a descer do cavalo, levou-o ao mato próximo e exigiu que ele obrasse. O padre tilitando de medo, tirou a batina, abaixou a calça e a cueca e obrou com facilidade.

Rinaldo tirou os talheres da algibeira, entregou-os ao padre e com voz autoritária, de cima do seu cavalo, a carabina na direção do eclesiástico ordenou: "COMA!"

E o padre comeu o que obrou aos vômitos. Rinaldo ainda forneceu um garrafão de vinho para amenizar os enjôos e malestares do vigário. Vingado, meu bisavò deixou o pobre padre bêbado, nu e lambrecado. A igreja italiana em peso voltou-se contra tamanho monstro capaz de tamanha hediondez contra um representante de Cristo na terra.

A perseguição foi tão intensa que Rinaldo Garavini não teve escolha: alistou-se nos exércitos de Garibaldi e tornou-se um garibaldino, tendo participado da Unificação Italiana. Desta forma lutava por uma causa que o fascinava, ficava longe dos fúteis nobres e protegido da perseguição implacável dos padres de Roma.

Assim Emílio revolvia o passado à procura de explicações para tamanho sofrimento. Será praga dos padres? Não acreditava que praga de padre surtisse efeito danoso: não passava de superstição popular que envolvia toda uma classe privilegiada pelos donos dos mistérios e dos dogmas que tanto pavor causam aos humildes e aos beatos.

Suposições iam e vinham e a cabeça do italiano de Bologna trabalhando em ritmo febril não encontrava resposta satisfatória. Como perdera duas esposas e dois filhos no primeiro parto, tomara uma decisão: não mais se casaria para não colocar em risco a vida de outras mulheres. Ponto final, viveria sòzinho, apesar de detestar a solidão.

Dedicou-se então de corpo e alma à fundição e às obras de uma casa que desde a morte de Anita adiara começar. Esta casa ele a construiria na praia para a irmã Emma e foi a primeira casa em Ponte Nova com água e esgoto e outras inovações da técnica mais avançada da época. Quem também valeu a Emílio nesta fase difícil da vida foi o cunhado Innocencio e a irmã dona Emma...

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