FAMÍLIA SAPORETTI

Sunday, July 02, 2006

7- Os Garavini

Américo Saporetti Filho

Emílio Garavini, meu avô materno, deixou a Itália logo que completou a maioridade. Seu pai, Rinaldo, garibaldino convicto ma non troppo, estava preocupado com a unidade italiana já que seu chefe, o grande Garibaldi, não existia mais. Sua mãe Serafina desejava deixar a Itália em busca de novas oportunidades no Novo Mundo. Atormentava-a a luta inglória pela sobrevivência e a perseguição religiosa e política em que viviam. Sua prima partira com toda a família para o Brasil de onde escrevera contando as belezas rústicas deste país tropical, aonde tudo era por fazer mas com campos férteis e povo hospitaleiro e gentil. Terminava sempre convidando-os a deixar a Itália e vir para o Brasil.

Brasile, Brasile, o jovem mecânico formado com louvor pelo Arsenal de Guerra de Bologna começou a sentir o comichãozinho do bicho aventureiro puxando-o para a América. Se neste país tropical tudo ainda está por fazer, melhor, pois poderia usar o que aprendera em benefício de um povo.

Encasquetou que viria, e nem os apelos de amor da noiva Júlia o demoveram da idéia. Iria e em pouco tempo viria buscá-la. Através do consulado brasileiro em Bologna tratou dos trâmites para a sua imigração. Não iria para a lavoura, era estudado e tinha lugar garantido para utilizar na plenitude seus conhecimentos. Preferia a província de Minas Gerais aonde estava sua prima.

Em 1891 Emílio embarcou sòzinho para o Brasil com a promessa de mandar buscar em breve seus pais e sua irmã e voltar para se casar.

Após a praxe legal foi para uma oficina mecânica, como encarregado, em Tabuleiro do Pomba, mas acumulava as funções de mestre de produção, modelador e chefe de manutenção... bem, só não era o dono.

Nesta época estava sendo instalada a Usina Ana Florência em Ponte Nova e a empreitada em mãos dos irmãos Innocencio e Adalberto Alves Costa. A fama de mecânico como poucos levou o nome de Emílio até Ponte Nova e aos ouvidos dos irmãos Alves Costa. Innocencio não perdeu tempo, selou um cavalo e partiu para Tabuleiro do Pomba à procura do mecânico tão formidável. Entre o filho da terra, mulato forte, e o imigrante altivo e bom iniciou-se uma amizade que duraria por toda a vida. Pode-se sem exageros afirmar que nasceram para ser amigos.

Quando o convite foi feito para transferir-se para Ponte Nova implantar a oficina e fundição e tratar de montar o engenho da Usina Ana Florência, Emílio aceitou prontamente, condicionando-o sòmente que Innocencio financiasse a vinda da sua irmã Emma, dos seus pais Rinaldo e Seraphina, pois prometera a eles que logo os traria para o Brasil e não aguentava mais de saudades. Quanto ao casamento, iria à Itália se casar assim que a montagem terminasse.

Innocencio consultou Adalberto, e de comum acordo aceitaram a contraprposta. Emílio então mandou buscar a família e em 1893 chegavam todos a Ponte Nova.

Faltava-lhe para completar a felicidade ir à Itália encontrar-se com sua noiva, casar-se e trazer a esposa para junto do seu novo lar. Mas antes muito trabalho o aguardava e urgente. No Brasil do início do século em pleno interior de Minas vovô Emílio encontrou tudo por fazer. Como gostava de desafios em vez de amedrontar-se, encheu-se de Ânimo e pôs-se de corpo e alma à empreitada.

Primeiro montar a Oficina Mecânica e Fundição que daria suporte técnico à instalação do engenho da usina de açucar da Ana Florência. Tudo foi feito com a dinâmica do trabalho de quem sabia o que devia fazer, onde e como.

A Oficina Mecânica e Fundição Progresso nasceu da fibra deste italiano empreendedor e vive até hoje como A. Fonseca Ltda. O início foi difícil, as condições eram péssimas e não havia mão de obra especializada. Passo a passo, com vontade de ferro, Emílio arrumou o galpão da praia, instalou o cubilô e fazendo componentes e acessórios, comprando só o essencial, organizou a fundição que hoje é orgulho do povo pontenovense.

Faltava mão de obra e teve que arranjá-la a tapa. Assim era a lei da época. Recrutou rapazes que desejassem aprender ofício e os colocou a seu lado na fundição por quatorze ou mais horas por dia. Enquanto aprendiam ofício não tinham direito a salário e o patrão podia ensiná-los a bofetões. Emílio usava deste privilégio que os pais lhe concediam. Seus alunos aprendiam o ofício por bem ou por mal, mas o certo é que sempre aprendiam, e dentre aqueles meninos simples e sem cultura, que tiveram a ventura de receber tapas, bofetões e pontapés daquele bolonhês corpulento, surgiram os melhores mecânicos que a região já conheceu.

Emílio tinha o porte ereto e andar elegante, mãos grandes, nariz afilado e reto e bigodão preto bem cuidado, cabelos ondulados partidos de lado com entradas prolongadas, olhos claros com ligeiro e disfarçado estrabismo, elegante no vestir e no andar, mais parecia um descendente da família real italiana exilado no Brasil. Gentil nos gestos e galanteador, foi cordial e agradável com as moçoilas que lhe passaram perto.

Porém dentro da oficina ou no trabalho seja lá onde for, transfigurava-se em Sô Emílio e não admitia falhas nem omissões e era o chefe "il capo", o durão, o exigente, o comandante. Todos o respeitavam e ai dos que não o fizessem, seu tapa era violento sempre acompanhado de um pontapé com botina de bico de ferro no traseiro. Palavrões de altíssimo calão completavam a cena dando-lhe, na falta de outra comparação, conotação poética.

Encravada entre morros e cortada pelo rio Piranga, Ponte Nova ainda não despertara para a vida cultural e sua infra estrutura era inadequada e deficiente. Não tinha rede de água e esgoto e suas ruas de terra batida eram empoeiradas. Quem podia, mandava seus filhos estudarem fora, de onde muitas vezes não voltavam, e se retornavam era para deter o mando e o poder sobre o povo simples e inculto.

Neste ambiente Emílio forjou uma nova ordem dentro da Fundição, ensinando com vigor, e quem sabe temperando em aço aqueles coitados que teriam que ser muitos mais rijos e saber muito mais, para enfrentar o poder e a riqueza com o saber.

Desta escola de vivência sairam muitos mecânicos de boa cepa, que assombraram a região com o conhecimento adquirido através de muito tabefe de Emílio Garavini. Dentre estes mecânicos estão seu filho Toni e Adolfo Parentoni.

Conversei com Adolfo Parentoni, velho lúcido com 82 anos em 1985, e ele me disse que tudo o que sabe se deve a Sô Emílio Garavini. "aquele sim entendia de mecânica. Nunca encontrei em minha vida um mecânico como ele. Hoje... hoje o pessoal não sabe afiar uma talhadeira - sabe o que é uma talhadeira? - e diz que é mecânico. Quanto pontapé e pescoção recebi daquele santo homem...Uma vez cortei este dedo (mostrou o dedinho mindinho da mão esquerda bojudo na cabeça e inclinando para dentro da unha torta) e sabe o que Sô Emílio me disse: Vá lá na latrina e mija no corte que sara, mas não demora...

Sô Adolfo deu uma bela risada. Depois com as mãos postas olhou para o céu com um olho já esbranquiçado pela catarata e quase em oração lançou este agradecimento: "Devo a Emílio Garavini tudo o que sou. Benditos chutes e pescoções que me deu".

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