FAMÍLIA SAPORETTI

Saturday, August 12, 2006

13 - A Cidade dos Meus

Américo Saporetti Filho

Como se achava Ponte Nova no início do século, ao ser pisada pela bota firme e possante de Emílio Garavini, italiano rubro e gordo, figura agigantada, calmo nos modos, de perícia lenta, artífice perfeito no metal? Como seria ela ainda mocinha sendo possuida por aquele imigrante com beleza de caráter tão superior e pleno de aptidões profissionais?

Mais jovem e mais natural, seguramente sem as sofisticações que o progresso obriga a ter. Com muita coisa por fazer, vivendo a ansiedade e o entusiasmo dos jovens em realizar tudo com a vontade e o prazer que a juventude tem. Suas ruas não eram calçadas, necessitando de irrigação constante para que as nuvens de poeira, nas estiagens, deixassem de invadir casas, comércio e as pobres narinas da população. Aos poucos foram sendo calçadas de paralelepípedos, colocados um a um, lado a lado, por mãos simples e pacientes. Foram sumindo aos poucos o barro e o lamaçal das estações chuvosas e a poeira das secas. Sumiram também as famosas irrigações ou molhações das ruas, tão pedidas nos jornais da época. Hoje as ruas de Ponte Nova são asfaltadas como as de qualquer cidade progressista que se preze.

Em suas noites havia lampiões a gás, acendidos após as seis da tarde e apagados perto das onze da noite, excetuadas as noites de lua, quando a luz diáfana e sublime do nosso satélite substituia maravilhosamente melhor a dos lampiões. Uma noite de lua, que beleza. Uma noite sem lua, só de estrelas, que coisa mais formidável e gratificante.

A luz elétrica chegou em 1913 e foi inaugurada com festa e banda e bênção do padre capelão. Também hoje está iluminada como as melhorzinhas cidades do seu tamanho e sabe-se lá, protegida dos blecautes que estão sujeitas as grandes cidades integradas às grandes hidrelétricas.

Nesse tempo havia saraus e as pessoas prendadas se reuniam para mostrar seus dotes, alguns declamavam poesias, outros sentavam ao piano e dedilhavam peças clássicas com extremo virtuosismo, mais outras liam e todos comentavam trechos literários dos grandes da nossa literatura e da universal. As mães e os pais levavam suas filhas e participavam da escolha do futuro genro, muitas escolhas foram acertadas nestas festinhas de cunho literário e cultural, mas que ultrapassavam em muito só este sentido.

Comum estes saraus artísticos em casas de pessoas cultas ou ricas serem regados a comes e bebes na melhor tradição da fartura que marcava a época e desta forma havia o intenso convívio social, e a moça casadoira era apresentada ao rapaz bom partido, já prèviamente acertado com a família entre os pais. Breves namoros e casamentos para toda a vida se sucediam no melhor estilo patriarcal, que nesta época separação era caso sério, e jogava a pobre mulher separada vítima do escárnio público.

Os jornais eram vários e os jornalistas verdadeiros heróis que lutavam contra toda espécie de dificuldade para manter viva a chama da cultura e o gosto pela arte entre o povo. Hoje em Ponte Nova se acabaram os saraus e as festas e os costumes literários, e os jornais não conseguem ter um mínimo de padrão para manter a tradição de jornalismo atuante e independente das primeiras décadas do século.

Havia muitos imigrantes italianos já instalados e progredindo, quando vovô Emílio, sua irmã Emma, seu pai garibaldino Rinaldo e sua mãe Seraphina lá chegaram em 1893.

Ele logo tratou de travar contato com a colônia, que se reunia para os lados da Copacabana, na fazenda do Canuto. Reencontravam assim a Itália tão distante, e desta forma reviviam façanhas de juventude e infância, e relembrando fatos acarinhavam a terra querida, agora tão distante que muitos deles não voltariam mais a ver.

Alguns deles nem imaginavam que, ao vir para o Brasil, estavam selando para sempre a sorte de suas vidas e dos seus, e que num ambiente inculto e pobre, encontrariam toda a vontade de viver e todo impulso ressuscitado tão diferente da apatia e da estagnação que vivia a Europa, marcada pela miséria, desemprego e convulsão social.

Rinaldo, meu bisavô, colocou junto com Venturolli, italiano como ele, e que gostava de tocar na rabeca músicas folclóricas d'Itália, uma venda na rua da Praia de nome Venda Garibaldi, especializada em produtos importados, e também em trazer famílias italianas para a colonização das terras da região. Quantas famílias vieram para o Brasil pelas mãos do garibaldino de boa cepa Rinaldo Garavini, que morreria no início do século sem voltar à terra. Vô Emílio voltou algumas vezes à Itália, assim como mandou seus filhos, sua mãe, sua esposa Pinota e sua querida irmã Emma, mas sempre manteve aqui no Brasil e na pequenina cidade de Ponte Nova seu reduto de amor para viver e morrer.

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