FAMÍLIA SAPORETTI

Friday, December 01, 2006

27 - História de Amor Bela Demais para Ter Acontecido

Américo Saporetti Filho

Contam que a filha mais velha e dona Emma amava Juventino, e que era correspondida com fé por ele, jovem alegre e querido do lugar.

Juventino estudava odontologia em Ouro Preto. Dedicado aos estudos e ao seu amor. Estarte, sempre que podia estava em Ponte Nova para ver Bebé, apesar de todas as restrições que se impunham aos namoricos naquela época, e da fama de conquistador do futuro dentista. Já no último ano, prestes a se formar, teve desavença séria com um professor e, no ímpeto da juventude que não pensa duas vezes antes de agir, mesmo que tenha de amrgar durante o resto da vida, esbofeteou-lhe e fugiu, para não ser preso nem julgado. Não aparecia nem para os íntimos.

Em Ponte Nova Bebé, aflita, procurava contato, pois a família, dona Emma e os filhos, se preparavam para uma longa viagem à Itália, coisa de dois anos ou mais. Bebé não queria ir, não podia ficar tanto tempo longe do Juventino, sabia que não aguentaria a distância. Não podia também revelar que namorava às escondidas, e que não viajaria por amor. Ririam dela os irmãos, e seria provàvelmente admoestada duramente pela mãe.

Era necessário que Juventino aparecesse, declarasse a todos seu amor a Bebé, pedisse a dona Emma permissão para se casar com ela, e ficarem noivos. Não sei porque não aconteceu assim. Às vezes os destinos de determinadas pessoas são incompreensíveis para nós, que não vemos além daquela linha do horizonte.

Pois é, a custo localizaram Juventino e o avisaram do que estava por acontecer. Fora de si e afrontando tudo, veio rápido, incontinenti.

Havia nele a certeza de que todo instante era importante, e que estava em jogo a sua felicidade. Teria que embargar a viagem da menina querida.

Dizem que quando chegou, o trem saía da plataforma, e afirmam que ainda houve tempo de acenar loucamente para Bebé, que aflita dentro do trem lhe fazia sinais, e atônita, pedia que corresse para junto dela. As lágrimas escorriam dos olhos dos dois namorados, sendo que as de Juventino se misturavam ao suor que lhe invadia o corpo. Foi um tropeção e ele cai nos trilhos e vê distanciar-se o trem, levando a sua esperança, sua felicidade.

Ficou ali tempos e mais tempos, uma infinidade, até que amigos lhe foram buscar e tentar dar alento. Nos trilhos, espojado nos dormentes, corpo doído, cansado e esfolado, olhava aquelas duas linhas que lá longe, perto da curva se uniam sem se unir nunca.

Bebé dentro do trem, confortada pelos irmãos, não se conformava com seu destino, e pensava, ouvindo o barulho impiedoso da locomotiva, e o bater compassado das rodas nas emendas dos trilhos, que a cada segundo se distanciava mais e mais e mais da razão de sua vida, que estivera tão perto.

Aparentemente, com o tempo tudo se acalmou. Bebé com a família na Itália, e Juventino perdido de amor em Ponte Nova.

Cartas de fé e de saudade iam e vinham cruzando o Atlântico. Bebé, bonita e simpática, em pouco tempo tornou-se apática e rabugenta, e definhava dia a dia na terra estranha. Não era a mesma, sua vontade estava longe, seus pensamentos vagavam para uma pequena cidade do interior de Minas.

Ao fim foram obrigados a consultar um médico, vivido e sofrido, que por sorte entendia de mal de amor; seu diagnóstico, após exame meticuloso foi sucinto, direto e atingia o âmago da questão:_"Esta moça está sem vontade de viver. Voltem com ela para seu país. Este é o remédio. Não demorem mais, já demoraram muito aqui, ou melhor, nem deveriam ter vindo."

Votaram sem mais, porém a fraqueza já se instalara no frágil organismo de Bebé, tornando-a presa fácil da tuberculose.

A doença veio de mansinho, apanhou-a talvez no navio, já chegou no Brasil condenada. Não demorou muito, teve de ser internada no hospital.

Juventino, que já se revelara, guardou seu leito dia e noite até o último momento, que não demorou muito em chegar.

A paixão por Bebé, ou pela sua lembrança, viveu no íntimo daquele dentista tão dedicado e atencioso. No consultório, numa gaveta, bem guardadas e amarradas com fita carmim envelhecida, as cartas permanentemente perfumadas que Bebé lhe enviara da Itália.

De vez em quando a saudade batia forte, ele abria a escrivaninha, escancarava a gaveta do meio, e com a mão esticada, lá no fundo, apanhava o maço de cartas, lia-as, e seus olhos molhavam-se de lágrimas tão sentidas como aquelas da juventude, ao sofrer a perda da amada; mesmas lágrimas, mesmo sentimento, aquele vazio total como se o tempo não passara e a ferida ainda sangrasse após tantos anos.

Meses depois da morte de Bebé, Nicota, sua irmã, seis anos mais moça, morria também de tuberculose, contraída no contato diário com a irmã tão querida. Choque duplo para a família Garavini. Dona Emma, a matriarca, forte e rija, resistiu a tudo com palavras de ânimo para todos que ficavam:_"É a vontade do Senhor. Devemos acreditar nele e ter fé. Vamos continuar a luta pelos que estão vivos."

Mas dona Emma guardava lembranças das filhas mortas e devia, nos momentos angustiosos, servir-se delas para evadir do mundo e subir a té o Senhor. Quando a forte, a poderosa, a mulher de fibra, a possante dona Emma morreu, tia Beatriz encontrou em seus guardados um baùzinho de madeira escura onde estavam pràticamente escondidas as cartas de Juventino para Bebé e um cachinho loiro do seu cabelo amarrado com fitinha. Beatriz mostrou a Juventino e ele, apesar de casado, mais de dez anos passados, insistiu em ter consigo aquelas recordações. O tempo passara, mas deixara latente ainda a chama do amor no peito daquele homem que ficara.

Beatriz satisfez-lhe o desejo, na certeza de que estava presenteando aquele homem com o que mais poderia dar-lhe prazer e alegria neste mundo em que ele deveria continuar vivendo, lembranças do bem querer que se foi.

E Juventino às vezes encontrava Bebèzinha de tia Linda, sobrinha de Bebé, mocinha ainda ,pelas ruas de Ponte Nova, batia-lhe suavemente nos ombros, mão espaldada e sussurrava com voz trêmula:_"Diaba, toda vez que olho para você lembro-me dela e como sofro..."

Pois é, Juventino para mim hoje é mais que um dentista competente, e mais que um dos fundadores do Primeiro de Maio; Juventino hoje é para mim um romântico, um herói, um sofredor, quem sabe um mártir, mas acima de tudo um amante, protagonista desta história de amor tão bela que parece não ter acontecido.

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