27 - História de Amor Bela Demais para Ter Acontecido
Américo Saporetti Filho
Contam que a filha mais velha e dona Emma amava Juventino, e que era correspondida com fé por ele, jovem alegre e querido do lugar.
Juventino estudava odontologia em Ouro Preto. Dedicado aos estudos e ao seu amor. Estarte, sempre que podia estava em Ponte Nova para ver Bebé, apesar de todas as restrições que se impunham aos namoricos naquela época, e da fama de conquistador do futuro dentista. Já no último ano, prestes a se formar, teve desavença séria com um professor e, no ímpeto da juventude que não pensa duas vezes antes de agir, mesmo que tenha de amrgar durante o resto da vida, esbofeteou-lhe e fugiu, para não ser preso nem julgado. Não aparecia nem para os íntimos.
Em Ponte Nova Bebé, aflita, procurava contato, pois a família, dona Emma e os filhos, se preparavam para uma longa viagem à Itália, coisa de dois anos ou mais. Bebé não queria ir, não podia ficar tanto tempo longe do Juventino, sabia que não aguentaria a distância. Não podia também revelar que namorava às escondidas, e que não viajaria por amor. Ririam dela os irmãos, e seria provàvelmente admoestada duramente pela mãe.
Era necessário que Juventino aparecesse, declarasse a todos seu amor a Bebé, pedisse a dona Emma permissão para se casar com ela, e ficarem noivos. Não sei porque não aconteceu assim. Às vezes os destinos de determinadas pessoas são incompreensíveis para nós, que não vemos além daquela linha do horizonte.
Pois é, a custo localizaram Juventino e o avisaram do que estava por acontecer. Fora de si e afrontando tudo, veio rápido, incontinenti.
Havia nele a certeza de que todo instante era importante, e que estava em jogo a sua felicidade. Teria que embargar a viagem da menina querida.
Dizem que quando chegou, o trem saía da plataforma, e afirmam que ainda houve tempo de acenar loucamente para Bebé, que aflita dentro do trem lhe fazia sinais, e atônita, pedia que corresse para junto dela. As lágrimas escorriam dos olhos dos dois namorados, sendo que as de Juventino se misturavam ao suor que lhe invadia o corpo. Foi um tropeção e ele cai nos trilhos e vê distanciar-se o trem, levando a sua esperança, sua felicidade.
Ficou ali tempos e mais tempos, uma infinidade, até que amigos lhe foram buscar e tentar dar alento. Nos trilhos, espojado nos dormentes, corpo doído, cansado e esfolado, olhava aquelas duas linhas que lá longe, perto da curva se uniam sem se unir nunca.
Bebé dentro do trem, confortada pelos irmãos, não se conformava com seu destino, e pensava, ouvindo o barulho impiedoso da locomotiva, e o bater compassado das rodas nas emendas dos trilhos, que a cada segundo se distanciava mais e mais e mais da razão de sua vida, que estivera tão perto.
Aparentemente, com o tempo tudo se acalmou. Bebé com a família na Itália, e Juventino perdido de amor em Ponte Nova.
Cartas de fé e de saudade iam e vinham cruzando o Atlântico. Bebé, bonita e simpática, em pouco tempo tornou-se apática e rabugenta, e definhava dia a dia na terra estranha. Não era a mesma, sua vontade estava longe, seus pensamentos vagavam para uma pequena cidade do interior de Minas.
Ao fim foram obrigados a consultar um médico, vivido e sofrido, que por sorte entendia de mal de amor; seu diagnóstico, após exame meticuloso foi sucinto, direto e atingia o âmago da questão:_"Esta moça está sem vontade de viver. Voltem com ela para seu país. Este é o remédio. Não demorem mais, já demoraram muito aqui, ou melhor, nem deveriam ter vindo."
Votaram sem mais, porém a fraqueza já se instalara no frágil organismo de Bebé, tornando-a presa fácil da tuberculose.
A doença veio de mansinho, apanhou-a talvez no navio, já chegou no Brasil condenada. Não demorou muito, teve de ser internada no hospital.
Juventino, que já se revelara, guardou seu leito dia e noite até o último momento, que não demorou muito em chegar.
A paixão por Bebé, ou pela sua lembrança, viveu no íntimo daquele dentista tão dedicado e atencioso. No consultório, numa gaveta, bem guardadas e amarradas com fita carmim envelhecida, as cartas permanentemente perfumadas que Bebé lhe enviara da Itália.
De vez em quando a saudade batia forte, ele abria a escrivaninha, escancarava a gaveta do meio, e com a mão esticada, lá no fundo, apanhava o maço de cartas, lia-as, e seus olhos molhavam-se de lágrimas tão sentidas como aquelas da juventude, ao sofrer a perda da amada; mesmas lágrimas, mesmo sentimento, aquele vazio total como se o tempo não passara e a ferida ainda sangrasse após tantos anos.
Meses depois da morte de Bebé, Nicota, sua irmã, seis anos mais moça, morria também de tuberculose, contraída no contato diário com a irmã tão querida. Choque duplo para a família Garavini. Dona Emma, a matriarca, forte e rija, resistiu a tudo com palavras de ânimo para todos que ficavam:_"É a vontade do Senhor. Devemos acreditar nele e ter fé. Vamos continuar a luta pelos que estão vivos."
Mas dona Emma guardava lembranças das filhas mortas e devia, nos momentos angustiosos, servir-se delas para evadir do mundo e subir a té o Senhor. Quando a forte, a poderosa, a mulher de fibra, a possante dona Emma morreu, tia Beatriz encontrou em seus guardados um baùzinho de madeira escura onde estavam pràticamente escondidas as cartas de Juventino para Bebé e um cachinho loiro do seu cabelo amarrado com fitinha. Beatriz mostrou a Juventino e ele, apesar de casado, mais de dez anos passados, insistiu em ter consigo aquelas recordações. O tempo passara, mas deixara latente ainda a chama do amor no peito daquele homem que ficara.
Beatriz satisfez-lhe o desejo, na certeza de que estava presenteando aquele homem com o que mais poderia dar-lhe prazer e alegria neste mundo em que ele deveria continuar vivendo, lembranças do bem querer que se foi.
E Juventino às vezes encontrava Bebèzinha de tia Linda, sobrinha de Bebé, mocinha ainda ,pelas ruas de Ponte Nova, batia-lhe suavemente nos ombros, mão espaldada e sussurrava com voz trêmula:_"Diaba, toda vez que olho para você lembro-me dela e como sofro..."
Pois é, Juventino para mim hoje é mais que um dentista competente, e mais que um dos fundadores do Primeiro de Maio; Juventino hoje é para mim um romântico, um herói, um sofredor, quem sabe um mártir, mas acima de tudo um amante, protagonista desta história de amor tão bela que parece não ter acontecido.
Contam que a filha mais velha e dona Emma amava Juventino, e que era correspondida com fé por ele, jovem alegre e querido do lugar.
Juventino estudava odontologia em Ouro Preto. Dedicado aos estudos e ao seu amor. Estarte, sempre que podia estava em Ponte Nova para ver Bebé, apesar de todas as restrições que se impunham aos namoricos naquela época, e da fama de conquistador do futuro dentista. Já no último ano, prestes a se formar, teve desavença séria com um professor e, no ímpeto da juventude que não pensa duas vezes antes de agir, mesmo que tenha de amrgar durante o resto da vida, esbofeteou-lhe e fugiu, para não ser preso nem julgado. Não aparecia nem para os íntimos.
Em Ponte Nova Bebé, aflita, procurava contato, pois a família, dona Emma e os filhos, se preparavam para uma longa viagem à Itália, coisa de dois anos ou mais. Bebé não queria ir, não podia ficar tanto tempo longe do Juventino, sabia que não aguentaria a distância. Não podia também revelar que namorava às escondidas, e que não viajaria por amor. Ririam dela os irmãos, e seria provàvelmente admoestada duramente pela mãe.
Era necessário que Juventino aparecesse, declarasse a todos seu amor a Bebé, pedisse a dona Emma permissão para se casar com ela, e ficarem noivos. Não sei porque não aconteceu assim. Às vezes os destinos de determinadas pessoas são incompreensíveis para nós, que não vemos além daquela linha do horizonte.
Pois é, a custo localizaram Juventino e o avisaram do que estava por acontecer. Fora de si e afrontando tudo, veio rápido, incontinenti.
Havia nele a certeza de que todo instante era importante, e que estava em jogo a sua felicidade. Teria que embargar a viagem da menina querida.
Dizem que quando chegou, o trem saía da plataforma, e afirmam que ainda houve tempo de acenar loucamente para Bebé, que aflita dentro do trem lhe fazia sinais, e atônita, pedia que corresse para junto dela. As lágrimas escorriam dos olhos dos dois namorados, sendo que as de Juventino se misturavam ao suor que lhe invadia o corpo. Foi um tropeção e ele cai nos trilhos e vê distanciar-se o trem, levando a sua esperança, sua felicidade.
Ficou ali tempos e mais tempos, uma infinidade, até que amigos lhe foram buscar e tentar dar alento. Nos trilhos, espojado nos dormentes, corpo doído, cansado e esfolado, olhava aquelas duas linhas que lá longe, perto da curva se uniam sem se unir nunca.
Bebé dentro do trem, confortada pelos irmãos, não se conformava com seu destino, e pensava, ouvindo o barulho impiedoso da locomotiva, e o bater compassado das rodas nas emendas dos trilhos, que a cada segundo se distanciava mais e mais e mais da razão de sua vida, que estivera tão perto.
Aparentemente, com o tempo tudo se acalmou. Bebé com a família na Itália, e Juventino perdido de amor em Ponte Nova.
Cartas de fé e de saudade iam e vinham cruzando o Atlântico. Bebé, bonita e simpática, em pouco tempo tornou-se apática e rabugenta, e definhava dia a dia na terra estranha. Não era a mesma, sua vontade estava longe, seus pensamentos vagavam para uma pequena cidade do interior de Minas.
Ao fim foram obrigados a consultar um médico, vivido e sofrido, que por sorte entendia de mal de amor; seu diagnóstico, após exame meticuloso foi sucinto, direto e atingia o âmago da questão:_"Esta moça está sem vontade de viver. Voltem com ela para seu país. Este é o remédio. Não demorem mais, já demoraram muito aqui, ou melhor, nem deveriam ter vindo."
Votaram sem mais, porém a fraqueza já se instalara no frágil organismo de Bebé, tornando-a presa fácil da tuberculose.
A doença veio de mansinho, apanhou-a talvez no navio, já chegou no Brasil condenada. Não demorou muito, teve de ser internada no hospital.
Juventino, que já se revelara, guardou seu leito dia e noite até o último momento, que não demorou muito em chegar.
A paixão por Bebé, ou pela sua lembrança, viveu no íntimo daquele dentista tão dedicado e atencioso. No consultório, numa gaveta, bem guardadas e amarradas com fita carmim envelhecida, as cartas permanentemente perfumadas que Bebé lhe enviara da Itália.
De vez em quando a saudade batia forte, ele abria a escrivaninha, escancarava a gaveta do meio, e com a mão esticada, lá no fundo, apanhava o maço de cartas, lia-as, e seus olhos molhavam-se de lágrimas tão sentidas como aquelas da juventude, ao sofrer a perda da amada; mesmas lágrimas, mesmo sentimento, aquele vazio total como se o tempo não passara e a ferida ainda sangrasse após tantos anos.
Meses depois da morte de Bebé, Nicota, sua irmã, seis anos mais moça, morria também de tuberculose, contraída no contato diário com a irmã tão querida. Choque duplo para a família Garavini. Dona Emma, a matriarca, forte e rija, resistiu a tudo com palavras de ânimo para todos que ficavam:_"É a vontade do Senhor. Devemos acreditar nele e ter fé. Vamos continuar a luta pelos que estão vivos."
Mas dona Emma guardava lembranças das filhas mortas e devia, nos momentos angustiosos, servir-se delas para evadir do mundo e subir a té o Senhor. Quando a forte, a poderosa, a mulher de fibra, a possante dona Emma morreu, tia Beatriz encontrou em seus guardados um baùzinho de madeira escura onde estavam pràticamente escondidas as cartas de Juventino para Bebé e um cachinho loiro do seu cabelo amarrado com fitinha. Beatriz mostrou a Juventino e ele, apesar de casado, mais de dez anos passados, insistiu em ter consigo aquelas recordações. O tempo passara, mas deixara latente ainda a chama do amor no peito daquele homem que ficara.
Beatriz satisfez-lhe o desejo, na certeza de que estava presenteando aquele homem com o que mais poderia dar-lhe prazer e alegria neste mundo em que ele deveria continuar vivendo, lembranças do bem querer que se foi.
E Juventino às vezes encontrava Bebèzinha de tia Linda, sobrinha de Bebé, mocinha ainda ,pelas ruas de Ponte Nova, batia-lhe suavemente nos ombros, mão espaldada e sussurrava com voz trêmula:_"Diaba, toda vez que olho para você lembro-me dela e como sofro..."
Pois é, Juventino para mim hoje é mais que um dentista competente, e mais que um dos fundadores do Primeiro de Maio; Juventino hoje é para mim um romântico, um herói, um sofredor, quem sabe um mártir, mas acima de tudo um amante, protagonista desta história de amor tão bela que parece não ter acontecido.
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