FAMÍLIA SAPORETTI

Thursday, March 15, 2007

34 - O Casamento, as Dificuldades, os Problemas, Os primeiros Filhos Que Não Vêm, os Anos de Apreensão.

Américo Saporetti Filho


Foto do casamento de Ginette e Américo com a data escrita na caligrafia dele


_"Recebi um convite do Flamengo para ir jogar no Rio. Que acha disto, Ginette?"_ perguntou eufórico Américo à sua noiva, num domingo de junho de 38.

Algumas semanas atrás o Flamengo jogara em Ponte Nova contra o Pontenovense, e a atuação exemplar do papai aguçara o interesse dos olheiros do clube carioca. Ginette olhou-o, respirou fundo, elevou a cabeça para o céu estrelado, e num fôlego rasgando seu coração, como se numa frase pudesse ir junto seu futuro, e deu sua opinião: "_Se for eu não irei. Você irá sòzinho e pronto."

Ao que tudo indica seguiu-se um pequeno desentendimento, e a despedida carrancuda e seca do machão. Deve ter dito: 'Vou se quiser, mulher nenhuma me impede e mulher minha tem que me seguir aonde eu for' e coisas do gênero, próprias do gênio colérico daquele filho de italiano.
Para sorte de todos nós, refletiu e não aceitou o convite. Não porque a noiva se opusera, mas porque ele até então jogador de futebol não tinha futuro, e o melhor era continuar trabalhando duro no Centro de Saúde, e cavar com os amigos e políticos influentes um emprego público que lhe desse segurança para o resto da vida. Futebol ele continuaria a praticar enquanto desse no Pontenovense, onde era senhor absoluto da posição.

Quando soube por Américo da sua decisão, Ginette deu graças a Nossa Senhora por tê-la atendido em suas preces. Chorara várias vezes só de pensar em perder aquele amor tão esquentado mas também tão quente.

No meio do ano o casamento foi marcado para 17 de dezembro, sábado, e aniversário de Hugo, 58 anos. Nada melhor que homenagear o grande pai, orgulho de toda a família, casando-se no dia do seu natalício. Ele ficaria muito feliz e ficou.

Começava assim a corrida contra o tempo. Américo tinha tanta coisa para arranjar e Ginette também. Móveis, utensílios, ainda bem aue iria morar na casa de Copacabana, herança de Ginette. O enxoval parecia não ter fim, a cada peça terminada vinham-se juntar várias novas necessárias, antes nunca pensadas. A tudo se somavam a ansiedade e a vibração da data mágica que se aproximava rapidamente.

Hugo sorria seu sorriso e animava o filho com pancadas nas costas: 'Hellá, seja homem.' E o pai Emílio visitava todos os dias a filhinha caçula, e gostava de vere seu enxoval que ela pacientemente lhe mostrava, tirando-o do baú repleto de naftalinas.

Assim correu o tempo dos dois, um tempo cheio de apreensões e totalmente preenchido pelo casamento.

Ginette deixou de ser Filha de Maria, Américo era contra. Mas em casa rezava com fé para a Virgem e fazia suas orações com muita disciplina.Américo já não produzia bem em campo e foi substituido. Hugo técnico, justificou a saida do filho com a observação: "_Após o casamento, com a cabeça no lugar você pode voltar ao time principal. Por enquanto continue treinando para não perder a forma física."

Contra a vontade, foi para a cerca, e o Pontenovense deixou de contar com o grande craque durante os jogos faltantes daquele final de campeonato.

Em outubro, precisamente a 18, Américo foi nomeado para a 2a. Coletoria Estadual de Ponte Nova, com salário de 150 mil réis mensais. Deixou o Centro de Saúde. No serviço público estadual trabalharia até a aposentadoria e glagaria por merecimento os cargos de escrivão e coletor (mais tarde, exator).

"_No meu tempo era diferente." Reunia frequentemente os filhos e alertava-os _"Não era preciso ter estudo para se conseguir bons empregos. Hoje não, hoje quem não tem estudo não é nada, e é por isso que quero que todos vocês estudem até se formarem."

A nomeação dele deveu-se ao prestígio de Prudente Soares, irmão do prefeito Otávio Soares, e por este motivo aliado a uma amizade fraterna, papai lhes foi grato por toda a vida.

Mas esta gratidão ficou meio abalada quando o jovem, com casamento marcado e inumeras obrigações que envolviam pagamento, não via a cor do dinheiro estadual. Prudente, seu padrinho, pedia-lhe paciÇencia, que não se exaltasse nem cometesse alguma burrada. "_Com o governo deve-se ter calma, não adianta ficar brabo e perder o tirocínio."_ argumentava.
Para sobreviver, que é preciso sobreviver, papai começou a engordar porcos, e para isto investiu suas parcas economias e teve de reduzir ao mínimo seus gastos pessoais. Foi um período de muitas dificuldades, mas graças a Deus superado com firmeza , esperança, luta e decisão.

O dinheiro do governo só chegou, ou melhor, começou a chegar, nove meses depois de papai estar na coletoria, e sete meses depois de casado, quando o desespero já atingia aquele espírito batalhador em vias de mandar às favas o emprego público. Quem o animou e ajudou nesta fase e em todas as outras dificuldades por vir foi... quem foi?... a sua jovem esposa, minha querida mãe, que se desdobrava nos trabalhos da casa, costurava e fazia quitutes para vender: linguiças, copas, salgadinhos e outros petiscos. Mas voltemos um pouco, é preciso casá-los antes.
Seja feito o casamento.

Foi uma cerimônia simples, no religioso primeiro, e após o civil. Como sempre aconteceu com os filhos de Hugo Saporetti, os padres relutavam em casá-los na Igreja e ministrá-los o sacramento do matrimônio. E eles só se submetiam a esta cerimônia em consideração às suas noivas religiosas, devotas e tementes a Deus. Não me consta que papai tenha confessado e comungado durante o seu casamento, mamãe sim, o fez com muita devoção.

Casamento na igreja matriz, e em seguida na casa de vovô Emílio, o oficial da justiça com aquele livrão de não sei quantas folhas, todas numeradas e assinadas, fez o assento do casamento legal de Américo e Ginette, recebendo suas assinaturas, as assinaturas dos padrinhos e de vários amigos - testemunhas do evento. A partir daquele momento estavam unidos perante Deus e perante a lei por toda a vida. Assim previram e assim foi feito.

A festa, só para os íntimos, foi na casa da praia do coronel Emílio. Muita música italiana, muita comida, vinho e alegria. Dali da praia, de madrugada, os noivos recém-casados rumaram para a casa de Copacabana, e começaram, ao romper do dia 18, a vida em comum -sem lua de mel, não havia dinheiro para tal- que seria cheia de sacrifícios, e também lhes traria muitas alegrias e compensações.

Estava assim selada a união que me traria ao mundo em 1942.

Cada um de nós está predestinado a nascer, tal é a quantidade de situações envolvidas que culminam com a presença de uma nova concepção? Ou de maneira simplista, tudo acontece sem forma predeterminada, e os fatos vão sendo vividos ininterruptamente pelos estados de espírito dos componentes da situação, sem forma calculada ou sabida? Não, perdoem-me, não me cabe analisar estas questões.

De 38 a 41 mamãe engravidou tres vezes e perdeu-os todos. Crianças malformadas, natimortas, que vinham à luz em estado de completa mumificação, obrigaram mamãe e papai a se submeterem a rigoroso tratamento com o médico italiano Dr. Pedro Palermo contra sífilis, que era o mal da época, à base de bismuto.

Mamãe não se deixou abater com a perda dos filhos, e submeteu-se ao tratamento com a esperança de salvação. A cada nova gravidez trabalhava mais no enxoval, que a cada decepção se tornava maior, com peças mais trabalhadas, com bordados mais singelos, como se fossem cânticos à perfeição para gerar um filho sadio.

Foi difícil convencer papai de que ele também devia tratar-se contra o mal. Achava-se sadio e colocava em cheque que pudesse haver contraído esta doença, apesar de mulherengo que foi. "Sempre soube escolher as mulheres que tive, e na família não há nenhum caso desta doença."
Julgava que mamãe a recebere por hereditariedade da sua mãe, a Portuguesa. Desta forma a cura do casal só se consumou após o terceiro parto fracassado, quando ele resolveu submeter-se ao tratamento ("Para desencargo de consciência").

Assim, em outubro ou novembro de 41, se as leis da genética sáo seguras e confiáveis, fui concebido, vindo a nascer em julho de 42.

Não posso dizer da alegria de papai e mamâe, quando me viram e ouviram chorar -tiveram três filhos que não choraram ao nascer, nem nunca- nas mãos da parteira, batendo os bracinhos, e tentando espernear, com a perninhas presas. Todos podem compreender que a alegria deles não foi simples alegria, foi explosão de euforia, pois antes de mim tres filhos nasceram inermes, pretos e mortos.

Assim começou minha vida, sob o signo da alegria, e ao mesmo tempo a minha responsabilidade, pois era o melhor de todos -para os meus pais ao menos. _"Um Saporetti."_dizia papai, todo orgulhoso_"Este será Américo Saporetti Filho, meu continuador."_ainda mais orgulhoso concluia.

Saiu naquele vinte e tres de julho (Nasci às cinco da manhã, quando o galo cantava, e o sol iniciava sua caminhada pelo dia, no alvorecer) logo de manhã a espalhar a notícia. Era pai de um robusto garoto, um Saporetti. Em pouco tempo a cidade inteira sabia, e todos os amigos e parentes foram a Copacabana, ver o filho do Américo e tomar uma cachacinha ou um cafèzinho com bolinho de comemoração. Eu, no meu bercinho, dormindo o sono dos recém-nascidos, fui admirado e olhado pela Ponte Nova, ainda uma grande família, a cidade que eu, dali a uns anos, palmilharia de ponta a ponta.

Os parentes ficaram lá e se revezaram nas ajudas. Vovô Emílio e vovô Hugo, sentados, comentavam as coincidências das uniões das famílias Garavine e Saporetti, que tantos frutos estavam dando com Eduardo e Beatriz, Santo e Linda, e agora prometia com Américo e GInette. E também comentavam coisas da Itália e recordavam fatos antigos das suas vidas de imigrantes.
Nasci muito amado, e sinto até hoje o fluido deste grande amor que me impulsiona para o mundo. Nasci depois de muito sacrifício, sofrimento, e de muita apreensão, o que me tornou racional e disposto a viver e vencer os problemas com coragem. Enfim, nasci para encarar o mundo de frente , e é o que faço, se bem ou mal até hoje, com a graça de ter tido um pai com Américo e uma mãe como Ginette.

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