FAMÍLIA SAPORETTI

Thursday, December 07, 2006

28- Revolução de Trinta

Américo Saporetti Filho

Artigos de periódicos da época, mostrando voluntários e a movimentação da Revolução na área.


Os primeiros efeitos da revolução de trinta chegaram a Ponte Nova sob a forma de boatos; diziam que o 10° de Ouro Preto já se deslocava para a cidade, e que em breve a invadiria com toda sua força de cavalaria, infantaria e principalmente artilharia; diziam também que Ponte Nova era local considerado estratégico, por estar entre a capital do Estado e a capital da República.

Os boatos tomaram tal envergadura que se pensava a cidade tornasse uma praça de guerra, com os revolucionários e os legalistas combatendo ferrenhamente, a fim de ocupar lugar tão privilegiado. O pessoal da parte baixa da cidade tão logo soube da notícia entrou em pânico: a praça de guerra com certeza seria naquela região.

A prefeitura tratou de acalmar a população, e fornecer condições para que fossem transladas em segurança para locais altos e protegidos. O Grupo Escolar Antônio Martins, o pátio interno do hospital, o campo do Primeiro de Maio, foram alguns lugares escolhidos. Nestes abrigos improvisados, as pessoas se instalavam como podiam e mais valia a segurança do que o conforto, já que ali se sentiam protegidos.

Todos da tia Linda com tio Eduardo, mulher, filhos, vovô Emílio, dona Emma e os filhos, subiram da praia para o Pito e Olaria. A Praia ficou deserta, entanto o campo do Primeiro de Maio pleno de acampados. Alguns decidiram embrenhar-se pelas fazendas próximas, pedindo asilo aos coronéis. Nossos parentes acumularam-se na casa do vovô Hugo e para o sítio do tio Lili.

As barricadas estavam armadas para receber o décimo com as minguadas forças policiais e alguns voluntários. Não sabiam o que estavam fazendo e a quem ou o que iam defender. Gostavam do sucesso e da admiração que estavam despertando nos conterrâneos. Para eles mesmos, eram os heróis que iriam defender os concidadãos. Mas a par disto a constante do medo invadira a cidade. Qualquer barulhinho estranho fazia muito nego valente se esconder debaixo de alguma coisa ou então sumir no mundo.

Passou o primeiro dia de alvoroço e nada do décimo. Nenhum dia foi tão alucinante como o segundo, mas chegou o fim e nada. Também, nada no terceiro e nada no quarto. Aos poucos todos voltaram para suas casas e reiniciaram a vida como se nada tivesse acontecido.O Décimo de Ouro Preto nunca foi a Ponte Nova em missão bélica.

Algum tempo mais, e houve recrutamento na região para a luta revolucionária. Ponte Nova, Raul Soares e arredores forneceram seus homens válidos, que depois de alistados e de receberem sumário e expedito adestramento, eram mandados para a luta para valer por uma causa que a maioria desconhecia, mas todos acreditavam que vinha para redimir os pobres e miseráveis, e trazer a fartura, o prazer e a justiça social. Vovô Hugo logo se entusiasmou pela causa da revolução, e não titubeou em alistar-se como voluntário, e sem que ninguém soubesse resolveu todas as formalidades, recebeu instruções e ao final o fuzil (ou seria mosquetão?). As instruções de combate que lhes deram não mais constituiam novidade, tinha amizade com armas de guerra e técnica de luta urbana desde façanhas na Itália. Fez tudo isso sem que a mulher soubesse, como uma grande travessura, bem ao seu estilo. Quando já resolvera e não havia como voltar atrás, apresentou a ela o fato consumado.

Vovó Ida quase teve um ataque diante de tanta irresponsabilidade do marido; será que não via que ela precisava do seu apoio para criar a família? Onde estava com a cabeça aquele italiano que era a sua razão de viver? Ida nem ousava pensar na possibilidade dele morrer e nestes lampejos de pensamento já o via atingido por uma bala, e esvaindo-se em sangue e finando-se em meio a um tiroteio ensurdecedor.

Vovó não se conformou e começou a recriminar o marido, dizendo-lhe que era homem casado, que tinha responsabilidades com a família e que ela não poderia ficar sòzinha no mundo com a carga de criar os filhos et cetera e tal. Vovó falava e falava para desabafar, pois sabia que nada alteraria a decisão do marido, que quando empacava era igual a mula, não saía do lugar, isto é, não voltava atrás. Mas apesar de conhecê-lo bem e saber de tudo isto, também se julgava no direito de falar e expor suas opiniões nestes momentos críticos, mesmo que para não serem ouvidos.

Hugo, sentado na cadeira com os pés em cima da mesa, comia gorduroso e bebia vinho lendo 'Il Piccolo', indiferente às apreensões e admoestações da mulher. Ao levantar-se disse:_"Mau agouro não, moglie, me deseja sorte. O Brasil precisa de nós italianos também para as causas justas, e esta é uma que vem para melhorar a vida dos pobres trabalhadores".

Desta forma encerraram o assunto tão delicado. Vovó entregou a San Genaro, santo de sua devoção, que por várias vezes já a havia ajudado, a proteção do seu marido. Às vezes, ela as fazia longe das vistas daquele anarquista ateu, geralmente quando ele dormia e quem sabe sonhava com a exterminação dos padres e de todo tipo de injustiça da face da terra... San Genaro atendeu _atendeu?_ ou foi coincidência. Mas o certo é que na véspera da partida do contingente de Ponte Nova, vovô Hugo, de madrugada, acordou com um febrão, tilitando de frio, e não havia cobertor que chegasse para aquecê-lo. O diagnóstico veio ainda na madrugada, com o dr. Palermo acordado às pressas para ver seu grande amigo:_'Malária'.

Vovó não pode represar um grito de satisfação, e em sequência todos da família que não aprovavam aquela atitude impensada do querido Hugo. Contraíra a doença em recente caçada às margens do Rio Doce, àquela época ainda não saneadas e foco de transmissão. Dr. Palermo apicou-lhe uma injeção de 'Impaludam', que fez Hugo urinar azulzinho, e outros remédios contra a doença. A malária salvou Hugo da revolução de trinta, e assim mudou o rumo da sua vida e também a de todos nós. Vovó agradeceu escondida mais uma graça que San Genaro lhe concedera.

Com todas as pompas militares e presença de oficiais revolucionários, os garbosos contingentes de Raul Soares e Ponte Nova desfilaram pela cidade debaixo de ovação popular, e foram se integrar ao exército revolucionário para a defesa dos ideais de salvação do país.

Muitos dos que foram perderam-se nos campos de luta sem honras nem glórias, outros voltaram mutilados, inválidos para toda a vida, mas, graças, a grande maioria não sofreu danos e se integrou sem dificuldades de novo à vida tranquila da sua cidadezinha.

Conta-se que se dava aos inexperientes recrutas totalmente desprovidos de adestramento para que pudessem defender com ardor a causa revolucionária, algumas talagadas de cachaça da pior espécie.

Quase todos os combatentes pontenovenses nunca haviam visto o furor de uma batalha de verdade, e no seu desconhecimento, ficavam amedrontados quando a hora do embate se aproximava. Conta-se também que três deles na linha de frente exageraram na pinga, que devia ser tomada com moderação, e, bêbados, saíram resolutos de onde se encontravam, desprotegidos, e, aos gritos de:_"Vamos acabar com esta guerra!"_ expuseram-se, peitos abertos e tiros a esmo, sendo cruelmente cortados ao meio por rajadas de metralhadoras das forças legalistas. Hoje este caso é contado pelos antigos em tom de galhofa, misturado a certa dó. Assim foi a revolução de trinta para os de Ponte Nova. Por obra de San Genaro Hugo foi poupado; ele ainda era útil no PFC, para sua velha, para seus filhos e netos, enfim, para toda a cidade. Getúlio no poder deu no que deu, tentou mas não conseguiu resolver o problema da injustiça social, e olhe que tempo não lhe faltou, foram vinte e cinco anos...

Friday, December 01, 2006

27 - História de Amor Bela Demais para Ter Acontecido

Américo Saporetti Filho

Contam que a filha mais velha e dona Emma amava Juventino, e que era correspondida com fé por ele, jovem alegre e querido do lugar.

Juventino estudava odontologia em Ouro Preto. Dedicado aos estudos e ao seu amor. Estarte, sempre que podia estava em Ponte Nova para ver Bebé, apesar de todas as restrições que se impunham aos namoricos naquela época, e da fama de conquistador do futuro dentista. Já no último ano, prestes a se formar, teve desavença séria com um professor e, no ímpeto da juventude que não pensa duas vezes antes de agir, mesmo que tenha de amrgar durante o resto da vida, esbofeteou-lhe e fugiu, para não ser preso nem julgado. Não aparecia nem para os íntimos.

Em Ponte Nova Bebé, aflita, procurava contato, pois a família, dona Emma e os filhos, se preparavam para uma longa viagem à Itália, coisa de dois anos ou mais. Bebé não queria ir, não podia ficar tanto tempo longe do Juventino, sabia que não aguentaria a distância. Não podia também revelar que namorava às escondidas, e que não viajaria por amor. Ririam dela os irmãos, e seria provàvelmente admoestada duramente pela mãe.

Era necessário que Juventino aparecesse, declarasse a todos seu amor a Bebé, pedisse a dona Emma permissão para se casar com ela, e ficarem noivos. Não sei porque não aconteceu assim. Às vezes os destinos de determinadas pessoas são incompreensíveis para nós, que não vemos além daquela linha do horizonte.

Pois é, a custo localizaram Juventino e o avisaram do que estava por acontecer. Fora de si e afrontando tudo, veio rápido, incontinenti.

Havia nele a certeza de que todo instante era importante, e que estava em jogo a sua felicidade. Teria que embargar a viagem da menina querida.

Dizem que quando chegou, o trem saía da plataforma, e afirmam que ainda houve tempo de acenar loucamente para Bebé, que aflita dentro do trem lhe fazia sinais, e atônita, pedia que corresse para junto dela. As lágrimas escorriam dos olhos dos dois namorados, sendo que as de Juventino se misturavam ao suor que lhe invadia o corpo. Foi um tropeção e ele cai nos trilhos e vê distanciar-se o trem, levando a sua esperança, sua felicidade.

Ficou ali tempos e mais tempos, uma infinidade, até que amigos lhe foram buscar e tentar dar alento. Nos trilhos, espojado nos dormentes, corpo doído, cansado e esfolado, olhava aquelas duas linhas que lá longe, perto da curva se uniam sem se unir nunca.

Bebé dentro do trem, confortada pelos irmãos, não se conformava com seu destino, e pensava, ouvindo o barulho impiedoso da locomotiva, e o bater compassado das rodas nas emendas dos trilhos, que a cada segundo se distanciava mais e mais e mais da razão de sua vida, que estivera tão perto.

Aparentemente, com o tempo tudo se acalmou. Bebé com a família na Itália, e Juventino perdido de amor em Ponte Nova.

Cartas de fé e de saudade iam e vinham cruzando o Atlântico. Bebé, bonita e simpática, em pouco tempo tornou-se apática e rabugenta, e definhava dia a dia na terra estranha. Não era a mesma, sua vontade estava longe, seus pensamentos vagavam para uma pequena cidade do interior de Minas.

Ao fim foram obrigados a consultar um médico, vivido e sofrido, que por sorte entendia de mal de amor; seu diagnóstico, após exame meticuloso foi sucinto, direto e atingia o âmago da questão:_"Esta moça está sem vontade de viver. Voltem com ela para seu país. Este é o remédio. Não demorem mais, já demoraram muito aqui, ou melhor, nem deveriam ter vindo."

Votaram sem mais, porém a fraqueza já se instalara no frágil organismo de Bebé, tornando-a presa fácil da tuberculose.

A doença veio de mansinho, apanhou-a talvez no navio, já chegou no Brasil condenada. Não demorou muito, teve de ser internada no hospital.

Juventino, que já se revelara, guardou seu leito dia e noite até o último momento, que não demorou muito em chegar.

A paixão por Bebé, ou pela sua lembrança, viveu no íntimo daquele dentista tão dedicado e atencioso. No consultório, numa gaveta, bem guardadas e amarradas com fita carmim envelhecida, as cartas permanentemente perfumadas que Bebé lhe enviara da Itália.

De vez em quando a saudade batia forte, ele abria a escrivaninha, escancarava a gaveta do meio, e com a mão esticada, lá no fundo, apanhava o maço de cartas, lia-as, e seus olhos molhavam-se de lágrimas tão sentidas como aquelas da juventude, ao sofrer a perda da amada; mesmas lágrimas, mesmo sentimento, aquele vazio total como se o tempo não passara e a ferida ainda sangrasse após tantos anos.

Meses depois da morte de Bebé, Nicota, sua irmã, seis anos mais moça, morria também de tuberculose, contraída no contato diário com a irmã tão querida. Choque duplo para a família Garavini. Dona Emma, a matriarca, forte e rija, resistiu a tudo com palavras de ânimo para todos que ficavam:_"É a vontade do Senhor. Devemos acreditar nele e ter fé. Vamos continuar a luta pelos que estão vivos."

Mas dona Emma guardava lembranças das filhas mortas e devia, nos momentos angustiosos, servir-se delas para evadir do mundo e subir a té o Senhor. Quando a forte, a poderosa, a mulher de fibra, a possante dona Emma morreu, tia Beatriz encontrou em seus guardados um baùzinho de madeira escura onde estavam pràticamente escondidas as cartas de Juventino para Bebé e um cachinho loiro do seu cabelo amarrado com fitinha. Beatriz mostrou a Juventino e ele, apesar de casado, mais de dez anos passados, insistiu em ter consigo aquelas recordações. O tempo passara, mas deixara latente ainda a chama do amor no peito daquele homem que ficara.

Beatriz satisfez-lhe o desejo, na certeza de que estava presenteando aquele homem com o que mais poderia dar-lhe prazer e alegria neste mundo em que ele deveria continuar vivendo, lembranças do bem querer que se foi.

E Juventino às vezes encontrava Bebèzinha de tia Linda, sobrinha de Bebé, mocinha ainda ,pelas ruas de Ponte Nova, batia-lhe suavemente nos ombros, mão espaldada e sussurrava com voz trêmula:_"Diaba, toda vez que olho para você lembro-me dela e como sofro..."

Pois é, Juventino para mim hoje é mais que um dentista competente, e mais que um dos fundadores do Primeiro de Maio; Juventino hoje é para mim um romântico, um herói, um sofredor, quem sabe um mártir, mas acima de tudo um amante, protagonista desta história de amor tão bela que parece não ter acontecido.
 
how to add a hit counter to a website