FAMÍLIA SAPORETTI

Saturday, May 27, 2006

3- Vamos em Frente, Anarquista!

Américo Saporetti Filho


Aldo nasceu no primeiro dia do século como uma dádiva para aquela família simples, e cobriu de esperanças as cabeças cheias de planos de Hugo e Ida. Aquela criancinha robusta, criada a leite mamado nos seios fartos da mãe era a alegria da família e o xodó do pai. Hugo levava-o para todo lado, brincava com ele a todo momento e mostrava-o orgulhoso aos amigos da colônia. Via-se refletido naquele filho brasileiro e mirava o garoto sòzinho que fora, vagando pelas ruas de Ravena.

'_Meu filho -pensava- terá pai, mãe, irmãos e lar!'

Seu pensamento voou para a Itália, um pensamento interrogativo e cheio de apreensão e saudades. Como estarão os seus que não aguentaram a vida de imigrantes e voltaram rápidos para a Pátria? E Ursula, que nem viera, estava noiva e amava seu noivo e resolvera ficar por amor, será que se casara? Não, não se casara, pois não recebera nenhuma notificação. Ursula, sua irmã querida, fora se apaixonar por um funcionário público, muito carola, fiel aos padres e defensor das leis e da propriedade. Que ironia, só podia ser ironia, a irmã se dividir entre um anarquista e um beato.

Tanto tempo sem receber notícias da Itália e de minha irmãzinha deixam-me aflito. Tento esquecer minha terra, pois pertenço aonde moro aqui e agora, mas ainda sinto dificuldades.

'_Mio caro bambino, tu sei la stella de mia vita!'- desabafava com os olhos molhados de lágrimas, apertando ternamente o filho de encontro ao peito musculoso com as mãos calejadas.

O menininho ria e soltava sons graciosos de contentamento. Pelo rostinho rosado, olhos claros faiscantes, podia-se dizer que ali estava um pobre menino feliz. Tinha de tudo: dois belos seios fartos e muita carícia da mãe e uma vida para viver sem restrições e tudo o que mais desejasse do pai.

Eduardo, Aldo, você foi um garoto de sorte enquanto criança, você viveu intensamente quando cresceu e amou a todos, fazendo-os amar a vida enquanto viveu e deixou imensas saudades em quem o precedeu, filósofo e inesquecível tio.

Se por um lado Aldo encheu de graça e brilho a existência dos Saporetti e Cortezzi, também trouxe inúmeras preocupações para seus espíritos, já que o trabalho na lavoura exigia os braços de todos e eram obrigados a levar o bebezinho e deixá-lo nas sombras das árvores próximas com perigo de insetos, cobras e outros bichos.

Por esta época foi que sussurraram nos ouvidos de Hugo: 'Vá para a Argentina. Lá tudo é diferente, os imigrantes são bem tratados e o governo está distribuindo concessões para cultivar áreas. Conheço vários patrícios que estão bem lá!'

De início Hugo não se deixou sugestionar. Não aspirava bens materiais, desejava viver a vida bem alimentado, com saúde, caçando, pescando, jogando futebol e vez por outra rendendo uma escurinha.

Mas a idéia da Argentina com fartura ficava martelando dentro da sua cabeça de jovem aventureiro, agora com filho para criar.

Começou a discutir o assunto com Ida que a princípio não aceitou mudar e ter de fazer novo ambiente e adaptar a vida novamente aos costumes e leis de outro país. E se nada do que diziam fosse verdade e encontrassem terra inóspita e povo pouco hospitaleiro? No Brasil sofriam nas mãos dos poderosos mas o povo era bom e amigo e a colônia italiana alegre, amiga e numerosa.

É, realmente não havia motivo da troca do Brasil pela Argentina, a não ser um motivo todo especial para Hugo: de algum tempo residia na Argentina o grande escritor e militante anarquista internacional Pietro Gori, e por isto Buenos Aires era o centro nervoso de toda a evolução do movimento libertário. Com estas argumentações Hugo convenceu Ida, ou melhor, a esposa cedeu aos rogos do marido.

Venderam seus tarecos, pagaram suas dívidas e saíram de Taquaritinga para em Santos embarcarem para Buenos Aires, tudo isto muito ràpidamente, pois pretendiam estar lá para a festa máxima do anarquismo, o dia do trabalho, primeiro de maio de mil novecentos e um.

De nada adiantou a correria e a ansiedade de Hugo, em Santos aguardava-os pesada decepção: o navio para a Argentina acabara de pôr-se ao largo, o próximo demoraria, não havia dinheiro disponível para aguardar. A solução pouco prática mas própria dos espíritos humanos quando se vêem em situações embaraçosas, foi tomada por Hugo, embarcando com toda sua família num navio que estava pronto para zarpar para a Itália. Prontificou-se junto ao capitão a pagar sua passagem e da família com trabalho a bordo. O capitão ponderou pouco para aceitar a proposta, afinal estava ali na sua frente um jovem com braços fortes, bem disposto, elétrico e alegre. Valia a pena tentar. Tenho certeza que não se arrependeu.

Assim, da maneira mais inconsequente, a família voltou à Itália quando seu destino era a Argentina, Buenos Aires. E em virtude deste pequeno atraso, toda uma sequência de fatos se modificou e posso até dizer que em função disso me encontro diante desta máquina escrevendo sobre a desdita do vô. Mas isto é filosofia e não cabe aqui, me perdoem.

Monday, May 22, 2006

2- A Chegada e Os Primeiros Anos

Américo Saporetti Filho













(foto mostrando plantação de café no estado de São Paulo no início do século XX)


Em 1896, num navio que atracou em Santos trazendo uma leva de imigrantes italianos, se encontrava Hugo Saporetti, rapagão forte de pouco mais de 16 anos, esguio, brincalhão e cheio de vida, e a família Cortezzi, pai, mãe e três filhos homens, e Ida, bela italiana na flor da idade, a única filha moça dos Cortezzi. Por coincidência foram para a mesma fazenda num lugarejo de nome Ibarra, na região hoje de Taquaritinga.

Antes porém foram novamente vistoriados para verificação se portavam doenças contagiosas, se eram sadios para o trabalho duro na lavoura e vacinados. Por último assinaram o famoso contrato de trabalho onde se comprometiam a trabalhar para o coronel que financiava sua vinda,até pagar o último real. Seus direitos restringiam-se a casa e banho. Logo descobriram que a escravidão continuava com os alvos braços europeus dalém-mar.

Hugo muito cedo iria rebelar-se contra este estado de coisas: seus princípios de liberdade aliados a uma altivez contra a opressão e tirania, não condiziam com a situação reinante.

Mas não ultrapassemos o tempo, deixemos que ele vá silenciosamente levando as pessoas a viver e respirá-lo. Hugo e Ida, sem desconfiarem do destino que teriam juntos, foram levados em lombos de burros e em carretões para as terras ricas do coronel que os havia alugado.

Chegaram à fazenda e sem descanso para o eito lavrar a terra: arar, plantar, cuidar, colher, limpar. Antes do sol nascer até depois dele se pôr. Hugo sempre que podia alertava os outros para a exploração de que eram vítimas e indicava aos conterrâneos os seus direitos e as reivindicações. Era líder e amigo e com seus vinte anos tornara-se um rapagão forte, pele bronzeada pelo sol tropical, nariz afilado demonstrando força de vontae e determinação. Sua influência sobre a colônia deitou sobre ele os olhos apreensivos do coronel.

Em paralelo aquela mocinha tímida de que já falei, Ida, companheira de viagem de Hugo, começou a vê-lo de soslaio com o rabo dos olhos, como faziam as casadoiras de antigamente.

A família trazia Ida sob olhares de vigia. Que se casasse queriam, mas com rapaz bom e trabalhador. O rigorismo do regime patriarcal estava patente naquela família simples de imigrantes, mesmo distante da terra natal e sob condições tão diferentes da sonhada fartura que vislumbravam quando, cheios de ilusões, embarcaram para a terra prometida. Fascinada por Hugo, Ida amou-o muito antes mesmo de ser percebida. Perseverantemente esperava o momento certo para aparecer.

Hugo começou a perceber aquela bela italianinha ao seu lado no eito de café. Convidou-a para as reuniões da colônia onde contavam casos, recordavam a terra, cantavam canções e esqueciam um pouco as saudades e os sofrimentos. Ida aceitou, foi cortejada por Hugo e em menos de ano estavam casados.

Casamento simples sem padre nem igreja no início do ano de 1899, uniu o anarquista Hugo Saporetti com a frágil Ida Cortezzi, agora também Saporetti, que com o passar do tempo se revelaria a forte, a brava, a potente Ida, esteio e baluarte dos Saporetti.

A bela Ida era agora a feliz "signora" Saporetti e teria de amá-lo e segui-lo pelo Brasil, pelo mundo, pelos cafundós por onde ele fosse, deixando raízes, família, gostos, ideais. Era a lei do matrimônio, ou quem sabe a lei do macho: a mulher submissa devia seguir o homem e servi-lo na alegria e na tristeza, no amor e na raiva, na riqueza e na miséria, criar-lhe os filhos, fazer-lhes a comida e lavar a roupa, honrá-lo sempre aqui e acolá.

Ida seguiu estes preceitos sem dificuldade porque sempre amou Hugo, e depois de sua morte vestiu-se de preto para sempre como viúva perpétua. Continuaram a trabalhar na fazenda e moravam pobremente num casebre de pau-a-pique junto com a família de Ida. Havia ainda um débito para com o coronel-fazendeiro, que três anos de trabalho não foram suficientes para saldar. Por várias vezes Hugo pensou em fugir, largando aquele regime de opressão e tirania organizada, mas dois motivos o impediam: primeiro, que não só ele sofria sob o coronelismo, e fugir seria deixar milhares de conterrâneos sem a palavra de fé, sem o apoio de dias melhores, sem perspectiva que lhes dava; segundo, era agora homem casado e não podia expor sua meiga mulher à perseguição que inevitàvelmente lhe imporiam como aos negros fugidos na escravidão ainda não abolida da mente dos poderosos.

Em abril Ida começou a sentir os sintomas de sua primeira gravidez. Timidamente contou a Hugo. Ele a pegou nos braços, dançou com ela, convidou os amigos e comeram e beberam à saúde do primeiro "figlio maschio", porque para ele nem passava pela cabeça que seu primogênito fosse "moglie".

A gravidez não alterou o ritmo duro da vida deste casal de imigrantes. Ida teve que continuar fabricando seu filho já tão querido e trabalhando àrduamente na lavoura de dia e cozinhando e lavando, passando, amando durante a noite.

Nunca se preocupou com as saídas noturnas do marido "para conversar um pouco com os amigos" e nem a abalavam as noites passadas fora de casa "a conversa esticou um pouco, e quando vimos o sol já estava nascendo".

Ofuscava-a um amor imenso que tudo oculta e tudo dissimula.

Já nessa época o moço Hugo habitava corações de negrinhas escravas recém-libertadas. Esse gosto pelas escurinhas perseguiria meu avô durante toda a sua vida

No último Natal do século 19 a barriga de Ida estava grande e pontuda. O enxoval simples e rústico fora feito com carinho e amor nas noites -altas horas- utilizando um muito do pouco tempo de descanso. O berço de madeira, trabalho caprichoso do ansioso futuro pai, no canto do casebre, bonito quase que aureolado, brilhando para receber uma preciosidade indescritível.

Aquela barriga por ser a primeira -quem sabe?- incomodou muito a Ida. Não havia posição confortável, sentia dores nas costas, pés inchados, boca amarga e o garoto, como chutava, parecia que ia ser um grande jogador de futebol. Deixara a enxada de pouco, não conseguia trabalhar bem e o sol de verão a castigava muito. Hugo sugeriu que se dedicasse só aos afazeres da casa "senão o bambino poderia nascer entre os pés de café".

Seguiu o conselho por pouco tempo, pois na madrugada do dia primeiro de janeiro de 1900, como boa parideira, sem gritar nem sofrer, trouxe ao mundo um "ragazzo" forte e sadio, rechonchudo como seu amor.

Assim, com tão sublimes alvíssaras, rompeu o século XX naquele casebre modesto de imigrantes italianos no interior de São Paulo.

O menino, a princípio Aldo, seria definitivamente Eduardo, o meu tio filósofo que, no seu modo de encarar a vida revelar-se-ia um autêntico anarquista por índole, que Hugo não era de impor aos filhos suas crenças, também exímio jogador de futebol, pescador emérito, e um papo de primeira grandeza e eterno menino. Quanto seria bom o mundo se tivéssemos alguns tios Eduardos para nos recorrermos nas horas tristes de apreensão...


Tuesday, May 16, 2006

1- Os Imigrantes no Brasil no Início do sec.XX

Américo Saporetti Filho


O começo da nova vida do imigrante no país que o recebe é de incerteza pontilhada por desenganos, desilusões, desafetos. Só aos espíritos fortes, curtidos na esperança e imbatíveis, é dado ser imigrantes e vencer. Aos que imigram acena-se a fartura, o bem estar, a riqueza e a bonança. Vêm tentar em ambiente hostil o que lhes falta ou é negado na terra mãe. No fim do século XIX a Itália não oferecia dignidade de vida à maioria dos seus filhos. Miséria, desemprego, decepção campeavam na "bota" da Europa. E o Brasil? O Brasil pressionado pela comunidade dos países livres encabeçados pela Inglaterra havia libertado os seus escravos negros e necessitavam com urgência de novos braços, de preferência brancos, para sua lavoura de café.

Com os negros libertos não podia contar, pois embriagados com a liberdade que lhes fora imposta sem consulta, jaziam como párias livres pelos cantos, envolvidos em drogas, prostituição, álcool, caserna, trabalhos vis. Pensou-se nos estrangeiros e no recrutamento em massa. Abriu-se então formidável campanha de apologia ao Brasil no exterior. Em vários jornais da Itália, convocações para o "país da fartura" aonde "todos têm emprego" e vivem "alegres e felizes" foram feitas insistentemente até catalizar a opinião pública sofrida para uma vida melhor e mais fácil.

Os pobres italianos acorreram em filas intermináveis aos consulados brasileiros onde eram registrados, assinavam contratos de trabalho e eram enviados ao Brasil em porões de navios mercantes. Desembarcados em Santos e confinados em acampamentos improvisados, eram "vistoriados", vacinados e em sete dias no máximo, liberados para a fazenda e o coronel de quem seriam dependentes lavradores. Já chegavam à fazenda devendo ao proprietário a passagem de navio, a comida durante a viagem, a "estadia" no acampamento e todas as demais despesas contabilizadas. Muitos não conseguiam saldar esta dívida e passavam a vida inteira na penúria, trabalhando duro de alvorecer a anoitecer como verdadeiros escravos brancos sob as esporas de coronéis sem complacência.

Monday, May 15, 2006

PREÂMBULO

Américo Saporetti Filho

Muitos anos eu trouxe na mente a vontade de escrever a história da minha família. Isto por ouvir fatos interessantes e esparsos contados por papai e pelos meus tios. Fatos que envolviam vovô Hugo, vovô Emílio, minha cidade de Ponte Nova, o Pontenovense Futebol Clube, a Fundição Progresso e todo um emaranhado tão complicado que envolvia duas famílias de imigrantes e que começava na Itália para chegar aqui no Brasil e me deixava perplexo e medroso.

O tempo passou, que o tempo não pára e deixei minha terrinha natal para me meter com cara e peito nas coisas da vida, e quem sabe até da sobrevida, e me esqueci de analisar o intricado labirinto das cenas familiares vividas pelos avós imigrantres, que tanto me envolveu e fascinou na infância e adolescência.

Havia outras razões mais convencionalmente importantes para se viver ao invés de pesquisar histórias antigas de desbravadores italianos, que outra coisa não vieram fazer aqui senão tentar a sorte e fazer fortuna. O melhor que fazia era estudar, formar, trabalhar, casar, ter filhos e criá-los bem. Assim pensava e pensava racionalmente, como um rapaz comportadinho dentro de uma sociedade que exigia isso de mim. Nem me passava ainda pela cabeça que a instituiçâo que denominamos 'sociedade' pode ser castradora e madrasta sem contudo afirmar que seja este o meu caso.

Então fui em frente, consegui muito e passei anos me empenhando em assuntos que me empolgavam e outros que me decepcionavam, vivi a vida ora com amor e prazer, e noutras instâncias com profunda nostalgia e tremendo enfado. Acho que não me distanciei da média das pessoas: vivi e lutei e hoje sou grato por uma existência plena de altos e baixos como fica bem a uma pessoa comum.

Como o mundo é uma bola, a vida um círculo e tudo que sai de um ponto tende a voltar ao ponto de partida, eis-me, depois de muitas idas e vindas, pontos e contrapontos, de retorno à idéia antiga: escrever a memória da família.

No entanto tenho dentro de mim um imenso vazio de tempo perdido e de ter deixado passar pessoas que seriam tão importantes. Arregacei as mangas, como se diz, e pus-me ao largo em busca do passado, todo serelepe e confiante no êxito imediato da tarefa de pesquisa, mas logo de início pude avaliar quão difícil é reconstruir a memória próxima, e quase impossível reencontrar com o que está encravado no início do século.

Comecei conversando com parentes e amigos que por qualquer circunstância tiveram contato com meus ancestrais ou fatos ligados a eles. E as reações foram as mais imponderáveis desde a cortesia contundente de quem diz não saber ou lembrar de nada, até o que conta inconsequentemente fatos que entre si são controversos. Há os que querem saber o que sei para me contradizer ou polemizar, e há os que, lendo os rascunhos, aceitam tudo como verdade e, ao fim terminam com a observação de que nada têm a acrescentar: '...é isso mesmo, está aí toda a verdade...'

De qualquer forma dessas conversas nasceu muita luz e a luz colocou a claro fatos que jaziam quietos, encobertos pelas trevas do tempo. Pude então devagar ir fazendo minha interpretação do que via, ouvia e sentia, tentando compreender e decifrar a história oculta dos meus antepassados. Além dos interlocutores que me contaram a feição pessoal da história, de muita valia foram os papéis que tive em mãos, os jornais da época, os arquivos e livros que vasculhei.

Procurarei escrever estas memórias com um grande amor por toda minha família, pelo Brasil que os acolheu e pela humanidade da qual eles e nós petencemos. Se em alguma passagem for duro e até inconveniente, peço não cometer injustiças. Vamos então às memórias dos Saporetti e Garavini e suas sagas de imigrantes por este Brasil varonil e com esse...

Em setembro de 84, por alguns rápidos dias visitei a região paulista de Limeira, Matão, Jaboticabal e Bebedouro. Fui discutir um projeto de instalação de sistema de manuseio de bagaço de cana para queima em caldeira para produção de vapor.

Fui invadido por sensação estranha e meu pensamento voou muito e pousou no fim do século passado e início deste quando, em busca de felicidade e prosperidade ou, quem sabe para sair da miséria em que se encontravam na Itália; vieram para aquele local cheios de esperança os Cortezzi com minha vó Ida ainda moçoila e os Saporetti com o vô Hugo, rapagão forte e bonito, e o único da família que ficou aqui.

Suponho campos verdejantes cheios de café, a cultura predominante,a monocultura brasileira que enriqueceu muitos e outros lançou na mais completa miséria, quando lá chegaram Ida e Hugo, se conheceram, se casaram e conceberam os primeiros filhos. Dentro da política do café com leite ainda não instituída polìticamente, mas com conotações sutis no espírito dos governantes imperava Prudente na presidência quando os avós paternos desembarcaram no Brasil.

Como dizia, fui à região inicial da família e vi com emoção e prazer a beleza das plantações. De um lado da rodovia imensos laranjais, ora amarelos e carregadinhos de frutas, ora brancos, esplendidamente revestidos de flores. As flores branquinhas como flocos de neve permitem esta força de expressão em visível contraste com o sol quente tropical.

Do outro lado canaviais sem fim para açúcar, álcool e bagaço. Enquanto o carro vencia a toda velocidade as distâncias fazendo com que aquela beleza passasse em nossa retina em corrida desabalada, eu parecia ver o vô e a vó lavorando aquela imensidão de riqueza e bem estar.

'Por que saíram daqui?' pus a interrogar-me enquanto passávamos por caminhões cheios de cana ou de laranjas e aspirávamos o cheiro gostoso da flor de laranjeira que, sendo uma constante na região, produz enlevo especial no corpo e imensa vontade de parar, sentar, deitar, dormir à sombra dos perfumados laranjais. Por certo motivo houve, e talvez seja até desvendado ao longo desta narrativa, para que a recém formada família de imigrantes, o jovem Hugo e sua bela Ida, com o bebezinho Aldo em 1902 voltasse para a Itália. Quem sabe perseguição de coronel ou coração irrequieto de anarquista que antevê na terra natal a oportunidade de realização de ideais políticos e retorna com a esperança mais acesa do que nunca? Suposições, simples suposições. A família de Ida ficou no Brasil lavrando pacientemente a terra para o coronel seu patrão, com poucos direitos e excessivos deveres, como escravos brancos.

Na Itália aguardava a decepção para o impulsivo Hugo. Nada melhorara na Bota e a miséria grassava por toda a Europa com o desespero de milhões e debandada geral. A repressão dos poderosos contra as reivindicações do operariado era violenta e as leis de proteção aos magnatas aprovadas aos montões. Mussolini, ainda no casulo, estava sendo preparado, um jovem ainda. Mas não devo falar do Duce, não quero misturar mais as coisas. Devo e quero falar de uma coisinha muito boa que aconteceu à família na Itália: nasceu lá num dia de bons fluidos esta italianinha belíssima que faço questão de ignorar o nome e só lembrar o apelido, com o coração grande e um desvelo que as pessoas simples têm.

Deram-nos na Itália, Linda; poderia apelido ser mais nome que este? Logo após o nascimento de tia Linda, voltaram para o Brasil para nunca mais voltarem. Coçava-lhes o espírito, a beleza do lugar e a liberdade sem fronteiras deste país continente. Vieram com Linda sugando àvidamente o peito farto de Ida. Novamente Taquaritinga, entre Bebedouro e Catanduva; reencontro de família e volta ao cabo da enxada e sujeição ao tacão dos coronéis.

Parei junto às indústrias de suco que engolem milhares de laranjas, maracujás, tangerinas, abacaxis, limões e extraem-lhes o suco, aproveitando o bagaço. Observei demoradamente as usinas de açúcar e álcool que mastigam vorazmente toneladas de cana de uma só vez.

Imaginei-me dono de tudo, pois no início do século uma simples família de imigrantes italianos, meus avós, lavrou a terra deixando no solo seu suor para a riqueza e o paogeu do lugar.

Espiritualmente uma emoção participativa atávica me incluia no desenvolvimento da região, e via na beleza e pujança das fábricas, das fazendas, um pouco de mim nos meus antepassados e muito dos imigrantres que forjaram ombro a ombro com os brasileiros a grandeza daquela faixa paulista.

Mas meu olhar soberbo se desviou um pouco e viu no eito lavradores e entre eles um casal de velhos alquebrados, as enxadas nas mãos, o suor a correr-lhes pelas faces enrugadas. Impacto da realidade. A vida seguiu o seu ritmo, dando a cada um as oportunidades que lhes eram reservadas. Assim a família é o que é hoje.

'Se estivesse hoje no cabo da enxada?' deixei a pergunta no ar e aspirei fundo o perfume dos laranjais.

Wednesday, May 10, 2006

Missão

Tenho em mãos textos escritos pelo meu falecido irmão Américo, que são resultados de pesquisas feitas por ele sobre estórias da chegada e vida de nossos avós e bisavós no Brasil. Minha idéia era disponibilizar esses textos para quem se interessasse, e não ficassem apenas mofando na prateleira... sugeri que fizéssemos um trabalho conjunto, pois sei que alguns têm fotos, outros têm fatos que gostariam de publicar e compartilhar com membros da família... Vamos tentar ficar em contato com o objetivo de sintonizar essa família nossa... em breve estarei transcrevendo textos dos manuscritos de Américo. Abraços.

Thursday, May 04, 2006

Apenas um início

Bom dia,
Este blog foi criado com o objetivo de abrir um espaço onde possamos, em conjunto, postar textos e fotos referentes á familia Saporetti. Quem estiver interessado poderá dar sua contribuição. Aguardo contatos enquanto preparo algo para dar início ao que pode ser um marco na aproximação e reaproximação de membros da nossa família. Um abraço,
Alex Saporetti.
 
how to add a hit counter to a website