FAMÍLIA SAPORETTI

Thursday, June 22, 2006

6- A Fuga

Américo Saporetti Filho



Ponte Nova fim de século



Desde que foi escorraçado da terra que lavorava, Hugo começou uma campanha de esclarecimento do povo da cidadezinha sobre os métodos usados pelos coronéis. Falava com todos, discursava nas reuniões da colônia, distribuia panfletos. Não deixava de ilustrar o que dizia contando detalhes do seu caso e nomeando o coronel e os capatazes. Desta forma colocava em risco a segurança de sua família. Mas Hugo nunca pensava nas consequências quando agia e sim que o que fazia era necessário e, no seu entender, a forma correta de agir naquele momento. Sempre foi assim a vida inteira, deixando Ida preocupada e às vezes aterrorizada.

Ela alertou-o para o perigo que corriam, ele nem ouviu, continuou limpando sua espingarda e ficou por isto mesmo.

Mas nos bastidores estava sendo armado um plano diabólico para exterminar toda a família. O coronel ultrajado não podia deixar que um imigrantezinho qualquer viesse para o Brasil denegrir a sua imagem perante o povo que o estimava e votava nele. Era imperdoável e inadmissível.

O casebre em que moravam, já o dissemos, era de taipa com cobertura de sapé, um só cômodo com fogão, cozinha de dia e dormitório à noite, dividido em dois por divisórias de esteira. As necessidades feitas fora do barraco. Hugo e Ida dormiam na esteira maior, Aldo e Linda em duas menores e Lili bebê num bercinho rústico de bambu, colchãozinho de palha para protegê-lo da umidade.

Não dissemos porém que o casebre ficava num local deserto. No dia do atentado a pequena Linda viu dois homens mal encarados olhando para dentro através da divisória. Na sua inocência de criança não podia imaginar na sua tenra idade que houvesse no mundo pessoas tão más que por prestígio e glória fosse capazes de matar inocentes aos milhões.

Na noite da quase tragédia alguma coisa prenunciava no ar que o mal estava a solta: um cachorro latia melancólico, o vento zunia seu barulho de singular arrepio e Lili chorava muito, exigindo cuidados a toda hora da boa mãe. É sempre assim, o sinal sempre existe: o sinal do amor ou o sinal do ódio, do bem ou do mal.

Por fim tudo se aquietou. Todos dormiram, o vento parou de zunir, o cachorro se calou.

Alta hora da madrugada, todos dormindo, dois capatazes invadiram o casebre com grandes bordunas, e intempestivamente, com golpes à direita e à esquerda, para lá e para cá, para frente e para trás, desejavam cortar a família ao meio com golpes certeiros. Numa fração de segundo Hugo acordou, compreendeu o que acontecia e lépido de um só salto pulou a janela e fugiu. Sabia que a ele queriam mais do que a família e que sua retirada podia salvá-la. Os carrascos foram em sua perseguição e deixarqm atrás uma mulher e três filhos em desespero.

Ida recebeu uma troletada na testa que lhe abriu a fronte, o sangue jorrando forte. Eduardo e Linda choravam convulsivamente abraçados a um canto. Lili no berço dormia o sono inocente dos seus poucos meses de vida.

Ida sabia que agora mais do que nunca todos dependiam dela e que tinha de agir rápido pois o sangue escorria e a fraqueza viria em seguida.

Ida encheu a mão com um punhado de sal e com a força da leoa-mãe pressionou sobre a testa em cima do corte. Urrou de dor, chorou de raiva mas estancou a vida que saía aos borbotões. Amarrou um pano em volta da testa com um nó a nuca e tratou de acalmar os filhos.

Já amanhecia. Fez uma trouxa com seus tarecos e deu-a a Aldo. Segurou Lili nos braços e com Linda agarrada à sua saia pos-se a caminho da casa da mãe que ficava a alguns quilômetros dali. Fraca com a perda do sangue e zonza da pancada na cabeça, por vezes sentiu o chão faltar mas recuperou-se e continuou a caminhada. Por vezes sentou-se à beira do caminho e as forças pareciam sumir e uma letargia invadia-a, a fibra da mãe não a deixava esmoecer e de pé continuava a marcha interompida. O sol no ápice quando avistou a casa da mãe. Foi medicada e todos alimentados.

Hugo sumiu e permaneceu escondido por muito tempo. Sem notícias Ida desesperada já se portava como viúva. Começou a vestir-se preto de luto. Neste Brasil varonil do início do século tudo era possível, matava-se como se mata moscas e os assassinos não castigados, impunes, ainda disputavam e ganhavam cargos políticos e frequentavam a sociedade como homens de bem.

Mas Hugo não estava morto. Fugira ao cerco do coronel, embrenhara-se nas matas, mudara de nome, agora se chamava Aristides, pegara malária, estava mais magro, porém vivo.

Assim apareceu certa noite para Ida como um bandido, a barba por fazer e foi logo dizendo: "Ida, amore, pegue os meninos e vamos embora."

A companheira solícita não perguntou nada, nem como, nem para onde; seu homem a chamava depois de longa ausência e ela tinha de ir.

Espantada ainda com a chegada repentina de Hugo, ela pôs-se a arrumar as coisas. Uma trouxa de roupas e algumas bugingangas, tais como boneca de Linda, bola de Aldo, pratos, colheres e não garfos, uma faca, sal, açucar, fubá, arroz. Os meninos a princípio não conheceram o pai por trás daqueles molambos e daquela barba mal cuidada. Chamaram e correram a esconder atrás da mãe segurando em sua saia, mas bastou Hugo brincar com eles e acariciá-los para enternecidos abraçarem o pescoço do pai que tanto esperavam. Foram eternidades de minutos em que padre e figli se abraçaram, beijaram e rolaram pelo chão de terra batida do Brasil.

Antes de amanhecer a família já estava a caminho sem rumo. Era preciso distanciar bem daqueles lugares malditos de tão tristes recordações. Pelo caminho Hugo relembrava para a mulher o que sofrera nesses tempos que ficara fugido. A malária o pegara e sofrera muito com esta doença. Tremores, febres, suores vinham e voltavam num tormento que não se compara à luta nem à noite perdida de sono. Ainda por cima a bendita asma a revirar-lhe os olhos, o peito arfante à procura do ar que falta, o sufoco entrando pelo peito adentro e nada de alívio.

Porque a Saporettada chegou a Ponte Nova, bem na Zona da Mata mineira pouca coisa se sabe. Alguém disse que o clima de Ponte Nova foi muito bom para a asma de Hugo e que a colônia de italianos, composta de imigrantes tão bons e hospitaleiros, bateu fundo nos sentimentos de Hugo. E além de tudo isto havia um clube de futebol,precisando de um italiano dinâmico, para ser fundado e dirigido.

Mas aí está: De 1908 a 1912 os Saporetti vagaram de São Paulo a Minas uns oitocentos quilômetros parando aqui, trabalhando um pouco, ganhando para comer, saindo de novo para parar ali adiante, trabalhar mais um pouco, numa peregrinação que não tem como se explicar e é só comparada a nordestinos expulsos da terra por falta de chuva.

Chegar e ficar em Ponte Nova foi a grande decisão da família Saporetti, decisão esta que desencadeia uma série de fatos tão importantes, que a decisão em si se torna tão importante quanto os fatos. Mas vamos contar o que aconteceu noutra oportunidade mais para a frente. Agora é necessário começar a falar dos Garavini.

Friday, June 16, 2006

5- Líbero ... aliás livre

Américo Saporetti Filho

O imigrante se compara ao perdido no deserto com sede e tendo miragens a todo momento: os oásis aparecendo e desaparecendo numa sequência de decepções que só faz ativar a esperança de se encontrar um oásis real antes que seja tarde demais.

Hugo voltou com a família (agora era ele, a forte e brava Ida, Aldo com cinco anos, meninão sadio e a bela e graciosa Linda, flor de menina nos seus três aninhos) disposto a fazer deste o lugar da sua luta, e viver aqui toda a pujança da juventude, da maturidade e da velhice. Sabia que encontraria oásis que eram simples miragens, outros em que a água fora envenenada por maldade, mas sabia também que beberia muita água pura e cristalina, daquela que tragada nos dá a sensação de suave enlevo e bem estar.

Sim, Hugo estava no Brasil novamente para começar tudo de uma maneira mais real. Enfim, o meninão estava esquecido, era preciso pensar na família e trabalhar para sustentá-la.

Como era costume na época, aceitou trabalhar de meieiro para coronel de café. No começo do século por esse Brasil afora era costume dos coronéis quando as lavouras dos meieiros estava no ponto de colheita, escorraçarem os coitados dos imigrantes que nem votar votavam, por meios não "católicos" (apesar de serem usados pelos padres católicos também) como ameaças à família, chantagens, emboscadas, e outros meios mais simples como invasão da lavoura por animais postos pelos capatazes do poder.

Alertaram Hugo desses senões, mas aquele carcamano de boa cepa, que nunca tivera medo de cara feia e enfretava a grito mula sem cabeça, resolveu encarar de frente o perigo como um dever. Não queria continuar escravo e dependente; seus princípios de liberdade não permitiam. Falava bem alto sua veia e seu coração anarquistas, e o extremado amor ao direito à liberdade como condição inata ao homem.

Mãos à obra, que nessa terra generosa se plantando dá; vamos arar, plantar, limpar as ervas daninhas, aguar e cultivar com alegria o "nosso" chão. A lavoura de milho cresceu sadia e São Pedro ajudou mandando chuva e sol na hora certa. O moço Hugo fazia planos de dias melhores para a família, um vestido melhor para a "moglie", uma espingarda de dois canos para ele, e uma série de bugingangas para os filhos, pois como estes pequenos gostam de quinquilharias!

Hugo devaneava sentado à porta do casebre de pau-a-pique, afagando uma cachorra que tomava conta da lavoura e espantava os pássaros e os predadores.

Os meninos brincavam ao largo na terra batida salpicada de poças de água de chuva, ou despejo de água usada lançada longe, mas que invariàvelmente caía ali pertinho.

A horta com alface, tomate, couve, cheiro verde, cebola, quiabo, giló, mandioca, resplandecia ao sol, o chiqueirinho com alguns porcos e galinhas ciscando e brigando desesperadas com as minhocas meio enterradas e meio aéreas.

O claro olhar de Hugo brilhava de alegria, a mesma alegria que temos quando um filho consegue realizar um sonho da sua vida. Hugo ali naquela tarde de 1907, o sol quase se pondo, já formando vermelhidão no crepúsculo, abraçou sua Ida que cuidava da horta e falou em voz embargada: "come è bello, cara!?". Ida deixou-se ficar abraçada, e os dois olharam quietos por muito tempo o que a natureza estava lhes dando em troca de amor, carinho e muito trabalho.

Mas a história desta família de imigrantes não seria diferente das outras. Um complô estava sendo elaborado em surdina para expulsar os meieiros imigrantes das terras do coronel.

Uma manhã, antes do sol, Hugo levanta sobressaltado com barulho na lavoura. Estranhou a cachorra não latir. Levantou-se, apanhou a espingardinha e saiu, o peito aberto recebendo o ar úmido da madrugada. Olhou e viu três cavalos comendo as espigas e destroçando o milharal. Um mais afoito chegara bem perto da casa e invadira a horta e se deliciava com as folhas tenras de alfaces, couves. Aos gritos Hugo chamou Ida e como um possesso, aos socos e pontapés colocou os pangarés para fora. Verificou a cerca, havia sido cortada e os animais introduzidos criminosamente na propriedade. Procurou a cachorra, estava morta: haviam dado bola para a coitada.

Todo mundo lhe dizia que contra a força não há resistência, mas em seus princípios ele resistira muito à força até não poder mais. Não era do seu feitio levar desaforo para casa.

Assim Ida e Hugo se armaram para a desforra. Todas as noites os meninos eram postos a dormir mais cedo e Hugo ficava de tocaia, tomando conta da sua lavoura, às vezes sendo rendido por Ida, quando o sono tomava conta do seu corpo forte e musculoso.

Noites passaram calmas, uma semana. Já não aguentava mais de cansaço nas esperas, quando numa noite escura viram dois capangas do coronel junto à cerca, abrindo-a e colocando dentro da lavoura três cavalos velhos e imprestáveis, mas mortos de fome, que de imediato começaram a devastação.

Com os nervos à flor da pele e a mão no gatilho da espingarda, Hugo esperou que os capangas se fossem e fez justiça matando a tiros os pobres cavalos que nada eram senão o instrumento útil da ação tirânica dos coronéis.

Após não havia conveniência em ficar naquelas terras e enfrentar a ira e o poder do coronel. Isto Hugo sabia de cor e salteado. Urgia a retirada estratégica levando a família e o que pudesse ser carrregado. Arrumaram as trouxas e naquela mesma noite ganharam a estrada, deixando atrás muito trabalho e esperança e a alegria do coronel.

Parou na cidadezinha próxima, local de compras dos colonos das mansões dos fazendeiros, dos injustiçados, dos trabalhadores, da polícia, da administração, do prefeito, do delegado, das meretrizes, das pessoas de bem, dos imigrantes, dos comerciantes, enfim, de tudo aquilo que pode ter uma cidade dominada, inclusive subversão, ódio, gargantas a ponto de explodir. Vovô chegou lá e engrossou este último grupo: o dos injustiçados, que têm um grito preso na garganta, e que para soltá-lo são capazes de tudo, até de matar.

Instalou sua família miseràvelmente num casebre pequeno que era dividido com outra família por uma divisória de esteira. Um só cômodo de terra batida de dia era sala e cozinha e de noite estendia-se esteiras no chão e todos dormiam juntos.

Ida estava grávida de novo, viria ao mundo em 11 de outubro de 1908 mais um filho para alegrar aquele casal que desilusões e desventuras não soçobrou, porque existia fibra e vontade de viver em seus corações.

Mas estamos precipitando as coisas, no início de 1908 Hugo colocou uma portinha de consertos de sapatos e conseguia fazer algum dinheirinho enquanto Ida lavava roupa para fora e cuidava da casa, dos meninos e da horta.

Hugo batia solas de dia e de noite reunia-se com os italianos no "Palestra Itália" da cidade. Contavam casos, cantavam músicas "strompoli" e reviviam em pleno interior paulista o calor e o vigor do espírito italiano.

Vez por outra Hugo galanteava uma moreninha, uma negrinha e com seu sangue quente misturava o calor latino com o africano.

Enquanto isso, sem suspeita de nada, vovó Ida cuidava de Eduardo já rapazinho de oito anos, da mocinha Linda, formosa nos seus cinco anos e nutria no ventre Lili, e com ele arrumava o casebre, limpava o chão de terra batida, colocava esteiras ao sol para secar, preparava a comida para seu "amore".

Sempre zeloso da sua família, Hugo era pai, marido, amante. Para Ida não havia homem no mundo mais bonito, mais forte nem mais carinhoso. Iria com ele onde o mundo acaba e muito mais longe se assim ele o desejasse.

"L'amore è piu bello".

Neste ambiente de pobreza feliz veio ao mundo numa clara manhã de primavera Líbero, cedo cedo Lili. Lili me soa melódico e só com muito esforço aceito Líbero, aquele que deve ser LIVRE, um grito solto sem eco lançado por Hugo contra toda a opressão.

Um filho a mais, mais um elo na ligação. Hoje nós descendentes de italianos sabemos o quanto representa a família para este povo de espírito vibrante que vive a vida tão galantemente quanto é amante carinhoso, quanto saboreia um belo prato de macarrão com um copo de vinho tinto seco. Sabemos o quanto se dedicam à família e quanto a família representa para eles, ainda mais a família com filhos e no início do século!

O que meu pai me passou foi a união em família, pai, mãe, irmãos num só anseio pelo bem comum, amizade fraterna, necessidade de contato, de conversar um com o outro, de se ver, de se auxiliar nos problemas materiais e existenciais.

Sempre juntos à mesa durante as refeições, tínhamo-nos em presença ali, um em frente do outro e as mágoas que porventura tivéssemos iam com o convívio, ao saborearmos um belo café com pão e manteiga, ou diante de um saboroso inhoque com molho de tomate e queijo parmesão. Não havia mágoa que resistia a uma abertura como esta, como não há músico que resista a uma sinfonia de Beethoven, por mais brigado que esteja com a vida.

Italianos, doces italianos, a família em primeiro lugar!

Quando Líbero nasceu, Hugo estava jogando futebol, seu esporte predileto. Chamado às pressas, chegou em casa com o choro estridente do garotão que nascia. Do lado de fora deu um pulo como se estivesse a pegar um petardo e gritou: "Hellá, é un maschio!" e entrou firme dentro da casa, suado e ofegante, abraçando a todos e recebendo felicitações. Parou diante de Ida e do bebezinho que estava sendo limpo e embrulhado pela parteira, e com os olhos em lágrimas que se misturavam ao suor, exclamou: "Libero... Amore, questo será LI BE RO".

Mandou buscar uma garrafa de vinho e saudou junto com os amigos a chegada de Líbero naquele ensolarado domingo de outubro de 1908.

Saturday, June 03, 2006

Ravenna

Para ver fotos da bela cidade de Ravenna clique aqui:

4- De Volta ao Brasil

Américo Saporetti Filho

Em solo italiano rumaram para Ravenna e se entregaram à vidinha de antes da aventura. Nada mudara e era impossível ter-se um mínimo de honra e dignidade com o trabalho operário. A corrupção e a subversão agiam em cada esquina, em cada repartição, em cada casa, e não havia segurança nem liberdade.

O socialismo ainda não gerara o comunismo e o anarquismo em todas as suas formas e nuances era barco à deriva no qual navegava a esperança de milhões de operários tiranizados pelos poderosos e que pregava a liberdade individual como única forma de salvar o mundo.

Hugo, Hugo, aja com cautela neste caldeirão, não seja impetuoso nem violento, você tem mulher grávida e filho pequetito; nunca se esqueça disso, é o mínimo que lhe pedimos. Eles precisam comer para viver, Hugo, trabalhe. você precisa trabalhar.

Mas aquele italiano tão forte e tão bom não ouvia a voz da responsabilidade. Liberdade era sua bandeira de luta, liberdade para os operários, essa liberdade anárquica que é ao mesmo tempo vontade e opção e difícil de entender na sociedade constituída, pois beira as raias da irresponsabilidade.

Assim Hugo passava a maior parte do tempo junto aos comitês de ação popular, discutindo e propondo soluções para os problemas da classe operária.

Quando era tomado pela vontade de trabalhar fazia alguns bicos, ganhava um dinheirinho e todo alegre como uma criança chegava em casa com embrulhos de comida. Para Hugo o trabalho e a luta diuturna sem tréguas pelas causas do bem estar dos homens, pela justiça social, eram suas obsessões, mesmo que para isto o estômago roncasse vazio. Este trabalho o compensava e o fazia feliz.

Compreendendo o marido que havia escolhido, Ida arcou com a árdua tarefa de manter a casa e cuidar do sustento da família em Itália enquanto Hugo se envolvia em comícios contra os patrões e contra a propriedade.

No dia 10 de outubro de 1902 nascia Linda, a graciosa menina italiana dos Saporetti, num ambiente humilde, assistida por Ursula, a querida irmã de Hugo, chamada rápido para servir de parteira. Ida, sempre boa parideira, em pouco tempo tinha nos braços a linda filhinha nascida suavemente e cercada de amor e carinho sob os olhares curiosos do seu irmãozinho Aldo, com quase três anos.

Quando chegou tarde da noite a surpresa esperava Hugo no berço: uma menininha rosada envolta em mantas, cueiros, touca, sapatinhos de lã e roupinhas quentes, dormia um sono tranquilo. Dizem que ao vê-la gritou, acordando a todos: '_ Mas como é linda, é demais linda...!' e Linda ficou como apelido, mais forte que o nome.

Este pai eufórico encheu de carinhos sua querida esposa, e não se fartou em ficar ali velando o sono da meninazinha. Como era carinhoso meu caro avô, e no seu peito o coração pensava em explodir de alegria mas desaguou em lágrimas que lhe escorreram pelas faces, e o obrigaram a recorrer ao canto mais escuro do quarto para chorar. Quanta alegria!

No outro dia a realidade caiu com peso total e Hugo decidiu procurar emprego, e apesar de toda a dificuldade que passava o país, conseguiu emprego numa usina de açúcar de beterraba como carregador do setor de armazenagem de ensacados. Mesmo empregado e com a responsabilidade da família, não deixou as atividades políticas.

Os olhares dos poderosos donos da empresa vasculhavam todos os atos e seguiam os passos de seus funcionários, para que a empresa não se transformasse em barril de pólvora com as pretensões operárias. Os suspeitos sumàriamente eram demitidos quando não entregues à polícia como agitadores.

Foi nesta época que viu e ouviu Mussolini, ainda um rapaz imberbe, orador de qualidades inimitáveis e com força de persuasão fora do comum. Ali naquele momento , Hugo converteu-se a seguir aquele líder que não estruturara ainda o facismo, e pregava uma doutrina ligada à liberdade e à justiça social.

A liderança e as idéias de Hugo foram logo detetadas pelos poderosos que aguardavam o momento propício para sumir com o jovem inflamado que pregava abertamente a queda do governo e a extinção das instituições.

Ouvindo conselhos de amigos e do próprio cunhado, de quem se tornara amigo, rejeitando suas convicções, fugiu inesperadamente para Portugal onde esperou pela família e de lá voltou para o Brasil, chegando aqui em 1905, novamente como imigrante e para a já conhecida região de Taquaritinga, onde os Cortezzi continuavam como lavradores, alugando a preços vis os seus braços para coronéis inescrupulosos e tiranos.

O idealista Hugo Saporetti sabia, ao voltar, que o Brasil seria para sempre o ponto de apoio de sua vida e dos seus, e tudo que viesse a fazer seria dentro deste país-continente. Com toda a força do seu idealismo e da sua juventude, pegou no cabo da enxada que causava bolhas antes e calos depois em suas mãos e calos na alma, e pegou firme com a convicção que ao menos naquele momento, era a forma de conquistar a liberdade.
 
how to add a hit counter to a website